quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Conto - Desapego

Dentro dos turbilhões das minhas idéias, prefiro ficar com as que me parecem ser as favoritas. Tudo na vida revela-se passageiro; nós somos passageiros que caminham com olhos arregalados, passando pelas várias “estações” que existem por qualquer trajetória. O propósito vai além da estrada, vai além da busca de um sujeito oculto, de um simples, mas sim ao encontro de um definitivo.
Desembarcar é tão difícil, pois dentro da minha bagagem existe um torpor de sentimentos inventados. Eles pesam dentro da minha carência indireta, são baratos, falsificados; diria até que são recolhidos, espreitados, com uma indevida e fiel frustração.
O ato se manifesta em minha escrita, me fazendo aventurar pela racionalidade das palavras, como se a atitude de um mundo real viesse conjugado, conjurado com inapropriadas doses estapafúrdias de quem já sabe o que procura ou aonde quer chegar. São meus olhos embaçados que manifestam o que se sente no local errado.
Nada se baseia em uma retratação, nada se revela como uma procura fiel e, sim no hospedeiro que pretendo ser. Eu sei exatamente por quais “estações” eu quero passar, só não sei como agir quando me deparar com o limite do meu velocímetro. O que falar? Como agir?
Que seja conduzida a escrita como um sinônimo da realidade, feita dos ingredientes básicos da quimera indiscreta, que sondam os meus pensamentos acumulados, e que as minhas personalidades afloradas, e o eu indigerível, acobertem a sua mente nas horas mais aflitas... Naquelas horas que antecedem um novo dia.
Não tenho mais nada, tudo o que faço é guiar e direcionar os meus ombros para aquela nova idealização. Eu quero estampar em meu peito um grande recomeçar, uma chance que prossiga até o dia em que os meus pulmões estejam pretos, completamente carcomidos pelos tragos de um vício imperecível.
Meus olhos são tristes, e não revelam o grande carnaval dentro de mim. Eu sou assim, viciadamente perturbador e inteiramente entregue. Acreditar é isso mesmo... Tudo está longe de ser um engano, está mais certo na presença da certeza comprovada e sentida dentro do meu nervosismo estabanado.
Criei dentro de mim um meio de fugir do dilacerante eu, fantasiei aqueles beijos balsâmicos para me sentir vivo de novo. Eu esqueci de todo o resto, eu mudei a forma daquela membrana que me protege, aprendi a conviver com outros sentimentos dentro de mim. Tudo para agradar e, fazer dessa história algo diferente.
Nossos estágios se confundem com serras e pontes, misturam vontades pré-fabricadas com a indiferença de suas desculpas esfarrapadas. Os mitos se criam, acobertando toda uma vontade de pronunciar algo mais quente, algo com poder de derreter aquilo que se revela tão frio, tão distante.
O rádio foi sintonizado, a mesma freqüência, as mesmas ondas que oscilam são as mesmas que permanecem guardadas na minha “estação” favorita. Será isso passageiro também?
Quantas vezes mais eu vou ter que usar do desprendimento? Quantas vezes eu vou procurar o significado real da palavra desapego? Evolução ou dedução do acaso? Muitas perguntas para poucas respostas, talvez o querer não passe apenas de almejar a si mesmo. Destruição gradativa e laboriosa...!
Tudo na vida tem um ponto extremo, que é construído ao lado de cada situação. O que foi feito do tempo em que eu me dediquei? Diga-me. Acho que o nosso fim chegou, fazemos parte do “tudo” também. Eu me quero de volta, tenho que lutar contra a magnitude do seu ser. Chegou a hora de eu reaver o meu coração.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

A trajetória

Acreditar deve ser um sinônimo de fracasso. Arrisquei no novo e obtive mais um velho e conhecido sentimento, dolorido como aquelas canções que dilaceram um coração. Eu tentei mudar, eu mudei acreditando em um novo conceito de vida, mas o que eu não posso mudar é o que é cabível ao eu sintético. Coisas sobre viver, sobreviver ou só viver; um estágio entre o que eu julguei ser o correto... As aspas que dão ênfase a uma simples palavra. É nesse termo que eu morro, que eu me encontro como um pequeno e vazio ser que caminha, que só caminha.
Quando algumas atitudes simples que almejam uma futura união não é o bastante. Foi o bastante pra eu poder acreditar em um salvamento da minha alma. Mas eu estou perdido, sempre estive à procura daquilo que não pode ser meu. Como correr e correr sem saber pra onde se está indo. Meu defeito é não olhar para o lado e reparar na beleza escondida que existe em toda a trajetória
A minha trajetória acabou de se desfazer!

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Conto – Retalhos de um tecido vermelho

Verde são as folhas... Amarelo, roxo e azul são as pétalas que desabam com o anúncio certo do inverno que virá. Nós estamos engendrados nesse estado cíclico, aprisionados em uma cadeia, onde muitas vezes mostramos com orgulho todos os nossos elétrons emparelhados, enfileirados, desfilando com clareza a padronização imposta de como devemos nascer e morrer... Somos como a ressonância do benzeno, e viver é um estágio apolar de exposição.
Aprendi aos poucos a enxertar os espaços vazios, mesmo com as dificuldades impostas consegui remendar os trapos que encontrei. Minha vida é feita dessas combinações. Combinações essas de cores mal selecionadas que amedrontam um coração que nasceu pra ser calado. Meu modo de existir é uma idéia, uma forma quase aleatória, um sorteio divino a qual eu não tive a ventura de ganhar o prêmio sacro da felicidade.
Em um momento da minha vida tudo o que eu queria era encontrar um refúgio, um lugar aonde eu possa me esconder de mim mesmo. A questão não é e nunca será uma procura de quem sou eu, tudo é apenas uma fuga da realidade. Se existe alguma pretensão, ela é o desejo de desmanchar ao gotejar da chuva. Eu queria ser a fumaça de um cigarro pra poder fugir pelos vãos das paredes, com o intuito da procura, com o objetivo único e final da dissipação.
As pessoas nasceram para escolher os seus caminhos e as inúmeras ramificações da estrada reta. Dando aqueles passos incertos da progressão natural que todo ser humano é submetido... Ou de quase todos eles. Eu infelizmente não tive a sorte de ser esse homem, o quebra-cabeça destinado a mim foi indubitavelmente o jogo de retalhos. Desmantelaram-me, rasgaram-me e agora me reconstruo com os trapos de distintas cores que vou encontrando no simples ato de viver.
Fui atirado no covil de onças e leões e aos poucos vou aprendendo ou me acostumando com isso tudo. Joguei os meus números nas variáveis da fórmula da existência, e o resultado final é que tentar se encontrar é o sinônimo da perda. Quantas vezes eu ouvi que o amor poderia crescer nas pessoas? Não sei. Só sei que é ingenuidade minha achar que imitar e se aventurar pelo desconhecido é um sentimento afável. Quantas chances eu me dei para amar e ser amado?... Talvez isso esteja na referência do contentamento descontente.
No céu as coisas são bem diferentes, amamos pelo simples motivo de termos que amar... E isso nos bastava. O amor é como uma luz titubeante, e o seu reflexo no espelho é um sentimento infalível que não pode nos faltar. Sabíamos em nossas concepções que cativar é um estado gasoso para ser inalado com o ar. Sim, eu tenho muitas saudades desse oxigênio todo.
Tentei fugir ao máximo, tentei esconder-me por detrás das nuvens enquanto a extensa fila se formava. Eu queria ficar na minha casa onde o bem é recíproco e acolhedor. Acabei sendo levado com a promessa de que minhas asas seriam apenas podadas, e por fim terminei assim... Desasado e sozinho em um lugar longe do meu modo habitual de vida.

...Viver é um estágio permanente de dependência...
... E morrer...?


O jogo é o mesmo, só mudaram as peças do xadrez ou somente as cores. O fracasso é pendente com quem é complacente com ele. O tempo passa pra todos e morrer assemelha-se a volta, e voltar é juntar todos os fragmentos... Toda vida, por mais infeliz que ela seja é como um método, nada é feliz por completo e nada é mais triste do que quando julgamos não ter nada propício, nada a favor.
Nascemos puros, com uma única cor para nos definir. Se lhe serve de esclarecimento, todos nós somos fontes de uma única coisa. Imaginemos uma folha de papel, parece ser tão inanimado, tão sem graça. Mas o início da vida é assim mesmo, não temos muitas coisas pra relatar. Depois suas vertentes se criam, o lápis é encontrado e a história da sua vida é escrita paulatinamente, um processo laborioso feito de erros, acertos e novas cores.

...Como assim, novas cores...?

Tudo se baseia no encontro, tudo tem seu momento e sua luz. Veja o céu em sua calma e longínqua fraternidade em nos acolher. Ser azul é muito mais do que um estado natural, é como um pigmento de paz estampada no alvoroço de estarmos vagando. Estamos sempre perdidos e o lugar certo para recomeçar é um mergulho no reflexo do céu, onde purificamos o nosso corpo e lavamos o nosso espírito com amônia e ácido sulfúrico.
Cada vez mais eu me sinto preparado, estou me tornando conivente com esse modo adquirido de vida. O tempo passa, a morte chega e logo se esvaí, como uma passagem para um novo retorno... E ter outras chances é como repousar no que antes se sublevou.
Nós somos feitos de cores, tudo ao nosso redor é dependente da sua magnitude para se mostrar verdadeiramente vivo. Cada pessoa nasce com uma cor característica, eu nasci pigmentado com a cor vermelha, e é nessa cor que a minha essência de eternidade será mantida. Eu sou como um gigantesco tecido vermelho, todo retalhado, onde à grande maioria dos meus pedaços estão espalhados por lugares que eu adoraria saber.
Por mais que saibamos, tentamos aprender, e aprender é uma eterna procura de seus pedaços. Na maioria das vezes nos deparamos com retalhos de outras cores. A esperança de existir um amor que supra a ausência de outro acaba nos cegando, pois a verdadeira costura mantém-se firme e forte para sempre. Enquanto não encontramos o pedaço que nos caiba, viveremos sempre no mesmo tabuleiro, em um movimento rotatório de decepções e frustrações amorosas. A história sempre será a mesma, o que muda somente são as cores dos tecidos que eu costuro em mim.

Conto – Retalhos de um tapete vermelho

Verde são as folhas... Amarelo, roxo e azul são as pétalas que desabam com o anúncio certo do inverno que virá. Nós estamos engendrados nesse estado cíclico, aprisionados em uma cadeia, onde muitas vezes mostramos com orgulho todos os nossos elétrons emparelhados, enfileirados, desfilando com clareza a padronização imposta de como devemos nascer e morrer... Somos como a ressonância do benzeno, e viver é um estágio apolar de exposição...

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Publicação

Há um mês atrás enviei um texto meu a uma editora, pois ela abriu suas pernas e disponibilizou um concurso literário. Enfim, chegou-me a pouco um e-mail de tal editora me dando seus respectivos parabéns, e fazendo um clichê básico. Disse que meu texto foi um dos escolhidos entre 852 trabalhos enviados. Isso não me importa, pois dentro de minhas concepções “gostar” é relativo ao dia da semana. Tudo equivale de como você está se sentindo pra ler.

Senhoras e senhores,

É com grande prazer que estou aqui, anunciando que o prazer de escrever é um ato esquizofrênico... Acreditar é um grande delírio de nossa parte. Estamos em um circo expostos, procurando, idealizando nossos desejos... Nossos sentimentos estão à venda!

Não entendeu, não é?

Agora começa a grande piada...

Estamos, assim, convidando-o(a) a participar da antologia referente ao Concurso, em regime de cooperativa, que será lançada em janeiro de 2010, em livro único ou duplo.

Seu(s) trabalho(s) será(ão) editado(s) em 6 (seis) páginas e você receberá 30(trinta) exemplares do respectivo livro.

Você pode participar com todos os trabalhos, ou com quantos quiser, recebendo os mesmos 5(cinco) exemplares por página.

Assinale abaixo a forma de investimento que melhor lhe convenha e nos devolva, o mais rápido que puder, para que possamos emitir o contrato de edição.

Mais uma vez nossos parabéns e nosso fraterno abraço.

José Maria Rodrigues
Editor
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Recorte aqui e envie-nos, devidamente assinado, pelos correios, ou confirme sua participação pelo e-mail: $$$$$$$$$$$$, indicando a forma de pagamento que escolheu, para que possamos emitir o contrato de edição.
NOME:___________________________________________________
Nº pág. 06. Nº de exemplares: 30 ( ) A vista: 594,00 ( ) Em duas parcelas de R$ 297,00
( ) Em três parcelas de R$ 198,00 ( ) Em quatro parcelas de R$ 152,00
( ) Em cinco parcelas de R$ 124,00 ( ) Em seis parcelas de R$ 106,00

Melhor dia para pagamento: (__________)
PRÊMIO POESIA E PROSA DE VERÃO
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Assinatura

Eu não pretendo me vender e muito menos me comprar! Ainda mais por 594,00 reais... UHAAUHAUHAUH
Essa piada é muito boa!
E viva o dinheiro, viva Sarney, viva, viva, viva as editoras... VIVA! Tudo é um grande circo e nós fomos escolhidos pra palhaços!
Clique aqui e divirta-se também!

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Conto – Borboletas de Muzo

Fecho os meus olhos e lembro-me da exemplar exposição do seu olhar, verde e esplendorosamente singelo, o poder de toda flora carregado nos seus olhos resplandecentes de mulher. Meu vôo é muito mais do que uma aproximação da realidade é o mito que nos acoberta nos devidos sonhos. Dentro deles sou complacente com o amor sugerido, revigorado pelos olhares e inoportunas sensações de formigamento em meu peito.
Sua chegada era programada, depois de anos de viagem. Partiu, feito louca deixando tudo e todos pra trás. Seu desejo era descobrir o mundo, encontrar-se no desconhecido e aprender com culturas distintas a melhor maneira de se definir. Desde criança, era notável sua aptidão e seu real envolvimento em se despir das coisas que a sufocava. Ela saiu de casa com a esperança de preenchimento do seu espírito, pois acreditava que algo maior era reservado pra ela no imaginário particular do seu mundo.
Quando ela fugiu da casa da minha tia, eu nem entendia seus reais motivos, talvez minha idade inferior e a falta de maturidade foram determinantes pra que isso ocorresse. Pra ser sincero, nem gostava muito dela quando criança, talvez por meus pais acharem que ela era meio maluca. Não sei. Só sei que sentia um pouco de receio, algo estranho que me repelia dela.
Uma quinta-feira chegou à notícia que ela havia partido, sem rumo, sem uma estrada predefinida. Foi um burburinho só, uma vergonha encarecida no lúgubre da alma da minha tia. Deixou apenas um bilhete falando que voltaria um dia, e que mandaria inúmeras cartas pra contar seus passos e inquietar um pouco o coração da sua mãe que tanto amava.
Pra mim suas cartas eram verdadeiras sagas, repletas de aventuras e fantasias. Comecei a admirá-la de tal forma, denominando-a como a aventureira dos meus sonhos. Com os anos fui esquecendo-me do seu rosto. Mas a cada capítulo, a cada versículo, a cada sensação de liberdade que ela me transmitia; era criado em mim centenas e inúmeras versões de uma mesma mulher.
A última carta dizia que voltaria em breve, que não agüentava de tanta saudade dos seus entes queridos. No momento eu senti certo pavor, um medo que escondia uma felicidade inquieta. Como estará ela agora? O que direi? O que farei? A curiosidade me matava a cada dia. Eu a esperava, procurando o desfecho de vê-la, de senti-la. Mas os dias iam pingando frustrações e eu as escrevia com o pensamento nela. Como será a sensação?
O engraçado é que tudo acontece quando menos se espera. Lembro-me como se fosse hoje ela chegando à casa da minha tia. Usava uma fita vermelha prendendo o seu brilhoso cabelo negro, um chapéu longo e um poncho dos Andes. Pra ser sincero não reparei nada disso assim tão rápido, eu fiquei fascinado por aquela mulher de olhos verdes. Minha prima.
A verdade é que aqueles olhos continham cristais romboédricos, de uma magia indescritível. Brilhavam como gotas de azeite. Aqueles olhos oblíquos. Feitos de uma pedra não talhada. Pareciam aquelas grandes esmeraldas da cidade de “Muzo”, que eu como químico e admirador do estudo da mineralogia soube ver e contempla-los com grande entusiasmo.
Fiquei surpreso por seu modo relaxado e dado. Sem nenhuma preocupação veio e me deu um abraço daqueles. Gostoso. A silhueta do seu corpo, o melhor desenho que Deus podia ter elaborado, a obra perfeita. Meu péssimo agosto dava lugar para um quente e acolhedor setembro, presente nas curvas do corpo daquela mulher idealizada.
Em questão de segundos parecíamos velhos confidentes. Eu sempre reclamando da minha vida. Dizendo que estava cansado de ser amorfo... Que a solidão é algo presente em meu espírito, que os meus sentidos foram aprisionados em uma cauda de estrela e levado pra não sei onde. Blá, blá, blá. Com ela tudo era diferente, ela era a lua e olhava tudo de cima sempre com maestria, sabia dentro de suas concepções que não há lógica em escrever, mas virtudes em se perder pra se encontrar depois. Uma mulher mágica que me chamava de anjo, o recipiente onde eu depositava meu amor gigantesco.
De certa forma ela fazia parte de mim, vivíamos entre as fumaças dos cigarros e da degustação de vinhos baratos. Sempre nos perdíamos naquele silêncio momentâneo, o presságio configurado pela repentina troca de olhares. O amor estava nascendo e a tentação expelia a grande histeria de nos possuirmos logo, de uma vez...
Não demorou muito pra sentirmos nossos sangues com laços familiares coagulados na loucura do desejo. Como descrever o sentir da encruzilhada das suas pernas?Não faço idéia. Só sei que fui absorvido dentro dela e minutos depois filtrado, como se tivesse sido acompanhado passo a passo no precipitar de minhas asas. Na minha concepção o erro é envolvente como nasceu para ser; e era na certeza que se criou entre nós.
Um dia ela me disse...
Sempre soube que partiria, ingenuidade minha achar o contrário. Eu gostaria de não sentir saudades, mas é algo que parte de dentro de mim e não tem como conter. Eu não poderia prendê-la, pois ela fugiu do destino mais certo... Que era estar comigo. Seus olhos significavam as mais belas borboletas, pois voavam sem destino certo... E sei que tais borboletas são muito mais bonitas quando podem exalar para o mundo toda a sua liberdade.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Conto – Versões em nossos labirintos

Versão masculina dos fatos:

Seus olhos claros de mulher de primeira logo me fisgaram. Meus sentimentos pulsavam com a verdade sentida na casualidade daquele momento. A solidão que eu sentia nos meus dias parecia que se esvaíra em segundos. Como descrever a emanação da vida que resultou na cor dos seus negros cabelos? Não sei. É como se o fantasma da sua existência me cantasse e me encantasse, como se fosse à refração da luz na água contida no aquário do meu ser.
Esse foi o sintoma de vê–la. Ela adentrou no bar, enquanto meus olhos estagnavam para o nada. Talvez eu já tivesse ultrapassado os limites do meu corpo, acho que bebi demais naquela noite. Sabe como é sair com amigos farristas, sempre resulta em embriaguez. Mas quando ela entrou rapidamente meus olhos procuraram o alvo certo. Parecia que eu tinha ingerido ânimo, vontade, sei lá... Eu a mirava mais do que aqueles homens bobos que perdiam suas noites preciosas jogando aquela porcaria de dardos. Eu a olhava, a fitava como um animal; estava encantado como o seu luzir, era como um engodo, e eu era o peixe prestes a cair na sua rede.
Meus amigos perceberam meu olhar furtivo e logo mexeram comigo, me desafiando ou me encorajando... Não me lembro bem. Só sei que apontei meu dedo indicador para o rosto de um deles e disse bem baixo.
– Aquela mulher será minha.
- Ahhhhhhhhhhhhh. Vai lá gostosão.
- Vocês querem apostar? – Eu disse esbravejando certeza.
Riram, debocharam de mim. Não sabiam eles que isso me encorajou ainda mais.
Acendi um cigarro. Passei a enxergá-la pelos vãos da fumaça. Seu vestido vinho era o adorno da sua pele branca. Olhando para ela eu podia sentir seu corpo junto ao meu... Era o prazer mistificado naquelas primaveras de amor.
Eu fui ao seu encontro todo desengonçado, parecia até que eu havia pulado de cabeça em uma piscina de whisky. Porém nada poderia me conter, pois eu estava sendo atraído pelos recônditos espaços da incompreensão do novo sentido em mim.
Cheguei perto dela de forma meio ríspida... Cheguei aos seus ouvidos e deixei fluir o que estava dentro de mim. Acompanhando a música do ambiente cantei:
- “Meu coração não se cansa de ter esperança de um dia ser tudo o que quer...”.
Saiu tão natural, e tão carregado de sentimentos que foi como se houvesse saído um peso daqui de dentro... Uma expressão de prazer que se iniciava, um lograr imperecível.
- Quer dizer que além de olhar, você também sabe cantar tão bem assim, é? – Me disse ela.
Será que eu canto bem ou é apenas educação da parte dela? Tenho quase certeza que é educação.
- Você quer um cigarro? – eu ofereci
- Não, obrigada, eu não fumo... Mas, bebo.
- Engraçado eu também bebo.
- Seus amigos também. Vocês estão comemorando alguma coisa?
- Não. Ahahahahah! Parece, né?
- Sim. Hahahahahah! Camila, muito prazer!
Então Camila é o seu nome... Eu sou horrível com nomes!
- Rogério, o prazer é todo meu.
Enquanto eu tragava meu cigarro, eu a reparava cada vez mais, é como se meus olhos tivessem ligeiramente encontrado o deleitar do vício. Estava viciado... Camila meu mais novo sinônimo de dependência.
- Você quer me fazer chorar? – Me disse ela
Eu fiquei pensando... Engraçado como aqueles três segundos pareceram horas. Maldita cachaça. Por que isso? Não entendi... Inventei uma reposta.
- Só se a gente voltar pr’aquele estágio do “muito prazer”. - Eu a disse.
- Uau! Você é direto como um dardo! Você me olha de um jeito que parece até que eu estou segurando um exemplar do Kama Sutra...
CARALHO... Por essa eu não esperava, estava me deparando com uma pervertida. Eu dei um sorriso verdadeiro, fiquei de certa forma feliz por termos tamanha ligação.
A noite ia pingando a cada segundo admiração e ostentação. Todo sentido na vida é feito de causa e efeito, o nosso prolongou-se e finalizou-se num ladino beijo... Beijos formados nos moldes do “Lego”, aquelas pecinhas que juntas alcançam qualquer formato. Senti que podíamos ser muito mais do que um casal. Poderíamos ser castelos inteiros, de cores e formatos diferentes, somos muito mais do que uma simples conseqüência... O pensamento que transcorre no acaso, o preenchimento labutado pela solidão dos meus dias até então.
Depois daquele estranho e indescritível beijo, eu a pude sentir no calor do meu abraço. Minhas mãos percorriam pela sua formosa cintura, seu corpo nos moldes da protuberância me queimava de leve, é como se a fagulha do desejo tivesse sido evocada, o incêndio que não se pode controlar... Estávamos jubilados pelo desejo dos nossos corpos.
- A gente podia sair daqui para um lugar mais calmo.
- O barulho da música não deixa a gente conversar... Vamos até minha casa. Ela me disse com um ar de segurança.
Enquanto ela foi avisar as suas amigas que ela iria embora, eu discretamente fiz um sinal de positivo para os meus amigos. Tudo bem discreto para ela não reparar. De certa forma estava me vangloriando, pois não apenas consegui ter a menina mais linda daquele bar, como também...
Pegamos um táxi, e nos beijávamos diante de uma pequena e insignificante platéia, o motorista. Deixamos o táxi e subimos as escadas do seu apartamento, as paredes nos escoravam... Naquele momento era difícil pensar em temperança, mas ela se controlava e me puxava pelos braços me levando até o seu ninho de amor. Chegando ao apartamento, a primeira coisa que eu vi foi um sofá, tentei atira-la sobre ele. Ela esquivou-se com uma habilidade digna de nota. Imperatriz Leopoldinense nota 10. Eu pensei gargalhando por dentro. Ela sorriu pra mim e foi pegar uma bebida.
- Essa mulher está me deixando louco. - Disse sussurrando.
Enquanto ela pegava a bebida, eu parei defronte ao espelho, arrumei o meu cabelo, esfreguei meus dentes com o dedo indicador e coloquei um Trident de canela na boca. Depois dessa cena ridícula, fiquei abismado com os livros em sua estante. Fiquei surpreso por ela gostar de Maiakovski. Olhando mais vi um livro do Kama Sutra. Taradinha ela... Quando ouvi seus passos se aproximando tirei rapidamente o chiclete da boca e o joguei certeiramente em uma samambaia que estava ali perto.
Ela me entregou o Whisky, eu dei apenas uma bicada e o deixei de lado. Eu a abracei e fui direto ao assunto:
- Me leva pra sua cama.
Ela me levou, sentia sua sutileza em sua doce condução. Fomos tirando a roupa, parecíamos que estávamos em câmera lenta... Tirei a camisinha do bolso e nos precavemos como deve ser. Alisava seus cabelos, sentia a forma do prazer em seu rosto. Fui descendo a mão. Sua pele lisa como seda, a delicadeza estava presente literalmente na forma de mulher. E que mulher.
Fizemos a nossa musica seguindo a sua cadência, éramos o fruto de seu ritmo. As estrelas foram atraídas pela nossa gravidade, caíam e com o tempo se tornaram em uma grande labareda de fogo... Somos nós queimando em sua cama.
Ficamos abraçados depois da consumação do ato. Fechei meus olhos fingindo que havia dormido, quando os abri reparei que ela havia caído em um singelo sono. Reparava na silhueta de seu corpo nu... Decidi dormir também.
Quando acordei, seus olhos me fitavam com uma doçura apaixonante. Olhei para seu corpo e tive a certeza de que queria reviver a sexta-feira. E revivemos. Eu estava com uma preguiça tão grande e escancarava sem nenhum pudor... Ela levantou-se da cama e rapidamente voltou com uma caixa de suco de laranja, um copo de requeijão e um pacote de biscoito. Comemos juntos... Eu decidi que iria embora.
Ela me perguntou se eu queria tomar banho. Eu disse que não, pois queria ficar com seu cheiro enclausurado em mim. Peguei o seu número e anotei na agenda do meu celular e vice e versa. Eu fui embora pasmo com aquela mulher, estava feliz da vida. Queria vê-la centenas de vezes. Fui descendo as escadas, tentando recordar todos os momentos... Peguei o celular e liguei pra todos os meus amigos e disse esbravejando:
- Ganhei a aposta, Porra!

Autor: Guilherme Canedo

Versão Feminina dos fatos:

Não é porque é uma noite de sexta-feira que toda garota tem que estar indefectivelmente preparada para sair e arrasar quarteirões. Mas, a pedidos, ela saiu com suas amigas, para refrescar o ânimo após uma semana de trabalho habitual, humano, igual ao de todos os seres humanos habituados ao trabalho mediano numa sociedade capitalista. Tomou um banho, colocou as pernas para o alto durante quinze minutos e escolheu uma blusa decotada cor de vinho, realçando sua pele branca. O ânimo ainda não estava lá essas coisas, conseguiu pensar que aquela seria uma boa cor para afastar abstêmios e, quem sabe, conseguiria manter conversas ininteligíveis com bêbados ou trazer suas amigas de volta para casa, caso passassem do limite alcoólico.
Chegando ao bar, elas pediram as bebidas e suas amigas foram para a área onde se jogam dardos. Ela preferiu ficar no balcão. Ela tinha as mãos trêmulas, não curtia muito jogar dardos, mas adorava ver as pessoas acertando a pontaria. É algo que julgava fazer parte do caráter de alguém: acertar na mira! Mas, pediu ao barman um Campari com suco de laranja e ao se virar, viu alguém fazendo dela mira. Não resistiu e sorriu naturalmente.
Era um rapaz bonito, cercado por outros rapazes. Eles estavam bastante animados, já deviam estar lá no bar há algum tempo. Ela continuou sorrindo, mas achou melhor desviar aquele olhar capturado... mesmo sem querer. Olhou para o jogo de dardos, por pouco tempo. A captura tinha sido eficaz. Quis voltar o olhar para o moço, mas se segurou, olhou para seu copo de Campari, ficou mexendo sua bebida. Levantou o olhar, lá estava o dele: olhando firme para ela, sorrindo. Ela sorriu de novo, era involuntário... E ele andou até ela, sorrindo. Chegou cantando, acompanhando a música de fundo:
- Meu coração não se cansa de ter esperança de um dia ser tudo o que quer...
- Quer dizer que além de olhar, você também sabe cantar tão bem assim, é? Ela respondeu na hora, e pensou: Eu sou assim, só consigo elogiar quando gosto de alguém...
- Quer um cigarro?
- Não, obrigada, eu não fumo... Mas, bebo. Disse a moça e pensou: Ele ficou sem-graça, veio atacando com essa do cigarro, depois de chegar cantando Caetano... que mudança disrritmada...
- Eu também bebo. E bem.
- Seus amigos também. Vocês estão comemorando alguma coisa? Pensou: Tenho que ser bastante simpática, quero esse cara pra mim hoje.
- Não. Hahahahah! Parece, né?
- Sim. Hahahahahah! Camila, muito prazer!
- Rogério, o prazer é todo meu. Ele disse de um modo todo pegajoso... Pegajoso o suficiente para grudar no desejo dela. Ele procurava jogar a fumaça do cigarro para o outro lado, mas acabava indo para os olhos dela, que disse com uma voz cheia de veludo:
- Você quer me fazer chorar?
- Só se a gente voltar pr’aquele estágio do “muito prazer”...
- Uau! Você é direto como um dardo! Você me olha de um jeito que parece até que eu estou segurando um exemplar do Kama Sutra... Ele sorriu verdadeiramente. Ela adorou ter sido tão espirituosa, mais até que seu decote. Ser espirituosa era uma característica dela, muito mais do que de suas roupas. Ela sentiu que alcançou um espaço dentro dele que ainda não tinha tocado com aquele comentário.
E a noite foi transcorrendo até o primeiro beijo. Mistura de whisky com Campari. Sabores indistintos dentro das duas bocas unidas. Foi quente, foi ato contínuo do beijo para o abraço bem apertado, levantados dos bancos, abraços em pé, tocando os corpos todos. Ele levantando os cabelos dela e dizendo gracinhas em seu ouvido, ela adorando como se fossem antigos conhecidos, antigos amantes. Mas, estavam no balcão do bar, o sinal do pudor tocou dentro dela, ela se afastou. Sentou-se. A música tocando alto. Ela resolveu olhar para suas amigas, se divertiam lá nos dardos. Ela estava abalada com a intensidade daqueles beijos, fazia tempo que não vivia nada assim. E ele falou:
- A gente podia sair daqui para um lugar mais calmo...
- O barulho da música não deixa a gente conversar... Ela falou depois de pensar um pouco. Seu coração disparara. Sim, o levaria à sua casa. Não devia nada a ninguém, estava resolvida. - A gente podia... Ficou reticente. Pensou um pouco mais, afinal de contas, não conhecia o rapaz. E daí? Segundos transcorreram no interior da jovem mulher, mensurando sua capacidade de decisão. Quando queria uma coisa, lutava por ela e a conquistava. Estava decidida. – Vamos até minha casa. Ela foi avisar suas amigas que estava indo embora e não o viu contar aos amigos com ar de vitória que sairia com ela.
Pegaram um táxi, se agarrando no trajeto, o calor deles estava bom demais. Chegaram. Subiram as escadas ainda aos beijos. Ela abriu a porta. Ele quis jogá-la no sofá, mas ela foi preparar uma bebida. Um whisky, com gelo. Deixou-o na sala, ele foi olhar a estante de livros. Ela achou isso muito positivo, aliás ela estava achando tudo muito positivo. Enquanto preparava o whisky, começou a se policiar: Eu vou dar pra ele, e só. Não preciso achar tudo positivo nele. Ele é uma gracinha, beija bem pra caralho, e só. Eu estou alta de tanto Campari, e só. Não devo beber este whisky, e só. E voltou para a sala.
Entregou o whisky para ele que bebeu um pouco e deixou de lado. Ele a abraçou e falou:
- Me leva pra sua cama.
Ela o levou e quis que o momento fosse doce. As roupas foram tiradas com delicadeza, as proteções foram tomadas com delicadeza também. Ele alisava seu cabelo e descia suas mãos pelo corpo macio daquela jovem mulher, encantado e cuidadoso para que seu desejo não se transformasse em rudeza. Mas, como homem e mulher que eram, no transcorrer dos fatos, o ato de suave se tornou vigoroso e os dois acabaram encharcados de suor. Poderiam ter caído um para cada lado da cama, mas permaneceram abraçados, suados, como se fossem amantes há muito tempo. Sintonia de corpos. Ela voltou a pensar que aquilo era muito positivo, mas percebeu o ressonar dele, ele havia dormido. E resolveu dormir também.
Na manhã seguinte, eles acordaram, ainda abraçados. Quando se perceberam assim, nus, claro que aproveitaram a ocasião e, mais uma vez, o desejo falou alto. Ela pensou que ele não tinha vontade alguma de ir embora. Mas, alguém tinha que fazer algum movimento nesse sentido... Ele não demonstrava nenhuma vontade de levantar da cama. A cabeça dela não parava: Sim, ele é ótimo, mas não pode ficar o sábado inteiro na minha casa... Nem conheço ele. Hahahahah! O que eu faço? Comida! Comida é um bom subterfúgio! Ela pegou na geladeira uma caixa de suco de laranja, um copo de requeijão e um pacote de biscoitos e levou pra cama. Agia com muita naturalidade. Eles comeram juntos e ele se movimentou para ir embora.
Ela ofereceu o banheiro para ele tomar banho, mas ele não quis. Disse que queria ficar com seu cheiro o maior tempo possível, disse isso rindo, ela gostou de ouvir. E, rindo, pediu o telefone dela, anotando no próprio celular. E ela anotou o dele também. Ele foi embora. Ela ficou. Ficou lembrando da intensidade e da positividade daquela noite e daquela manhã. Entrou no chuveiro alegre por ter exercido sua feminilidade em toda sua potência.


Autora: Stella Arbizu - Uma grande pessoa que eu conheci, muito inteligente, amante da escrita, da música, e de cinema... Quando ela me convidou para escrever algo em parceria logo me subiu aquele desejo de realiza-lo de uma vez. Adorei nossa sincronicidade, ainda mais inventando uma história por msn. Foi algo que desejo muito repetir, pois me diverti muito!
veja o seu blog: http://paranaosecar.blogspot.com/

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Conto – Súplicas em nossa casa de vidro

Somos os frutos da intuição, são aqueles pequenos pedaços que urgem da simplicidade de sermos desconhecidos. Vivemos diante da eternidade com conceitos pré-existentes, que se revigoram na alegria de estarmos quase sempre errados; são oportunidades manifestadas na espontaneidade de nos descobrirmos a cada segundo juntos.
Nossos traços ecoam um no outro, na imensidão do seu negro eu crio minha esfera de amor branco. Fomos ligados não por que queríamos fraquejar e sim como conseqüência do acaso. Transcendemos nossas próprias vontades nas totalidades das constelações que giram ao nosso redor. A evolução gradativa da felicidade que segue o engatinhar natural; são as modificações na essência da sua natureza que nos causam dor e sofrimento.
Mantivemos equilibrados dentro do nosso desequilíbrio individual. Em você foi criado o princípio absoluto de sermos opostos e complementares. O meu frio, manifesta o seu calor, e é na sua luz onde se revela a minha escuridão.
Quando os vínculos se criam raramente eles se quebram. Criamos dentro de nossas concepções a virtude do bem... Somos muito mais do que detalhes ao vento. É a sua parte gritante no comportamento de ouvinte; o fascínio de sua pele queimada de sol que me aquece e me refugia das brumas da minha mente.
Você é doce como um sonho em sua parte literal de entendimento... Seus gestos delicados de menina que descobriu em sua tentação o deleitar da cobiça dos homens. Eu me rebelo como uma insulina, quebrando as moléculas de glicose no seu sangue; não pelo modo prejudicial, pois é dessa forma que nos equilibramos diante do mundo. Sou apenas o princípio básico do anabolismo, faço uma simples síntese do meu amor com o intuito de receber as moléculas do seu amor complexo.
Lembro-me dos passeios que fazíamos no verão, íamos sempre pra “Praia do Sono” desfrutar o nascer do mais belo sol. Ficávamos estirados na areia contabilizando o brilho das estrelas, era o nosso pensamento beliscando o futuro. Todos os anos nós manifestávamos as mesmas vontades, era o esquecimento momentâneo das quatro paredes de poemas do nosso quarto. Podíamos jogar ao mar nossas mais belas poesias, deixando as ondas carrega-las até as bordas do planeta, e relembrarmos apesar da imensidão do mundo que estamos em casa.
Acho engraçado quando recordo de você se queimando com as águas vivas repetidas vezes, nunca aprendia a lição. Essa teimosia... Impossível de esquecer. Nós caminhávamos no alto das montanhas, aventurávamos sozinhos pelas trilhas dos matagais com o intuito de chegarmos ao outro lado. Sempre ficávamos surpresos com a imensidão daquele mar... Viajamos e nos perdíamos por horas tentando medir o comprimento da linha do horizonte. De tudo isso o que eu mais sinto saudades é dos planos que fazíamos...
Hoje você não está mais aqui comigo, partiu sem rumo para as estrelas que você tanto estudava. Não posso imaginar outro lugar que você possa estar, pois seu luzir me lembra a todo instante o encantamento da lua; o feitiço presente no simples movimentar de lábios, o simbólico e atrativo crestar contido no seu sorriso.
Eu me culpo a cada dia por sua partida... Não deveria dirigir tão alcoolizado. Essa é a cruz que nem Cristo ousaria carregar. A dor da culpa se faz presente em mim, enferrujando meu coração a cada dia, a cada noção de revolta. O simples lembrar dos fatos é como se eu recebesse uma punhalada afiada pelo tempo... Queria eu dizer que foi o tempo que errou.
Quando meus olhos abriram lentamente ainda estavam atordoados pela a escuridão dos meses. Eu ficava tentando decifrar através das sensações o que havia acontecido. A mistificação de todos ao redor da cama do hospital me revelavam uma felicidade inquieta. Todos estavam felizes por eu ter despertado do terrível coma, mas ninguém sabia me dizer que eu de fato havia morrido.
Os meses foram passando e você presente dentro do meu coração. Queria justificar os meios... Por que Deus não havia me levado junto? Eu fui o culpado de tudo, e quem deveria se afugentar do materialismo obrigatoriamente tinha que ser eu. Não entendo.
Você sempre tão viva, me consola até mesmo quando não posso ouvir a sua voz. Lembro-me de uma vez que você disse que decepções são como as vírgulas; paramos apenas para dar uma respirada, ou seja, recobramos a consciência e descobrimos que devemos sempre continuar e superar as dores que a vida nos impõe. Querida, eu sei que é triste, mas eu não vejo à hora de chegar ao ponto final dessa história, para ficamos juntos novamente.
O nosso maior plano era o de ficarmos bem... Como sinto saudade do calor dos seus abraços; aquela felicidade magnética que puxa e te prende... O meu pólo negativo depende arbitrariamente do seu pólo positivo para se estabilizar. Somos Yin e Yang, e estamos ligados pelo movimento contínuo e constante da evolução dos atributos de um para os atributos do outro.
Vejo o mar do mesmo ângulo que vimos tantas vezes juntos, procuro nos gigantescos vãos das estrelas onde é que um dia eu estarei. Eu te emoldurei no meu coração sangrando do jeito que deu, e te levei a nossa praia, para admirarmos o crepúsculo juntos mais uma vez. Lanço novos poemas ao mar pra que eles se espalhem em tudo, pois nos amamos assim sempre... Vivemos e seremos livres independente da situação que estamos. Estaremos sempre juntos, pois estamos perdidos no mundo e ele é a nossa casa... Nossa casa com as paredes de vidro.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Teoria dos Erros

Meu amor,
Eu deixo a porta do meu quarto aberta
Ainda espero você voltar
Se meu coração pudesse gritar, ele gritaria seu nome.
Como você se chama?
Venha até aqui me dizer “Eu quero ser seu amante”.
Sim, seremos eternos amantes.
Amantes de boteco, apaixonados cigarros.
Se eu tragar você?
Vou te segurar o máximo possível dentro de mim
Dilacera o que é seu.Vamos!
O calor que a fumaça me traz
Você é quente...
Eu queimo por dentro
Gostar de você é indescritível
O que adianta ter um coração,
se eu posso te sentir no ar?
Você é púrpura, você, você.
As palavras sumiram da minha cabeça!
Você é doce e parece segura.
Eu estou focado...
Seus olhos me cantam suavemente
Mas você se desfaz como fumaça.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Conto - Estrofes em pó branco

Alguma coisa foi feita de nós quando subimos ao patamar mais alto do que a saudade. Fomos colocados em estantes, expostos aos olhares indisciplinados da quimera necessária, somos a paixão que cresce desenfreada dentro do calor dos erros e acertos da nossa vida conjugal.
Casamos cedo, com aquela típica paixão avassaladora que nos prende aos sentidos de uma existência tão mortal quanto a sua. Uma expressão de amor formada pela angulação celeste, pelo cálculo da velocidade das batidas de corações acelerados... Éramos a inexplicável e difusa versão do que criamos pra nós mesmos. Minha vida é paralela a sua, é um estado até lastimável de dependência, construída na segurança garantida dos sorrisos despreocupados.
O engraçado é que nosso amor foi aumentando com o tempo, somos as nossas canções favoritas refinadas com o desfecho da improvável simplicidade. Era a primavera que pulsava em minhas veias, o cabedal sem matéria que foi sobreposto em minha vértebra para eu carregar... Como na memória recente dos dias que se passaram ao lado dela.
Quando a vi pela primeira vez confesso que não senti o exacerbado desejo dessas minhas palavras, acho que foi uma forma de sublimação que uniu nossos pedaços de existência no espaço. Seu cheiro era o gás das estrelas, o ponto de partida de uma suposta corrida de egos fixados pelo encontro da casualidade. Bastou apenas senti-la para eu ter a sensação do amor desconhecido, mesmo depois de uma vida recheada de amores ele sempre se manifestará no desconhecido. É um estado improvável de moralidade... São estrofes formadas pela branda e inexplicável circunstância de vivermos.
Eu sou muito mais do que sensações de formigamento, mas ninguém entende isso. Talvez pelo motivo da minha família desfrutar o delírio do dinheiro, os empecilhos se tornaram pra mim uma nova forma de liberdade. Já tive tantas casas que não me lembro mais, já morei na rua com a sensação do frio presente em mim... Eu moro junto com os meus pais.
A verdade é que eles não aceitam o meu amor, talvez o ego do dinheiro traga esses malefícios às pessoas. A vergonha de um filho é a febre que arde na hipocrisia da alta sociedade, são desculpas fugidas com excessos de palavras, são os belos vestidos dourados camuflando os mais variáveis problemas familiares.
Quem diria eu viver na esfera dos amores proibidos de Shakespeare, logo eu que achava que tudo que afeta o homem é como uma doença, a praga que nos tira do sossego e nos atira de cabeça no abismo da loucura. Eu queria que meus pais entendessem que a paixão se prolifera entre as aceleradas batidas do coração, como uma manifestação dos nossos poros... É o exercício das pequenas coisas sendo exaladas dentro dos ramos vazios do nosso sangue, é a protuberância sentida no envoltório da nossa alma.
Aos poucos foram reparando nas modificações dos meus atos. Eu queria viver a base desse sentimento, sustenta-lo a palha para que o ardor se mantenha firme e forte, de certa forma, mantê-lo aceso dentro da necessidade que meu corpo precisa.
Quando meus pais descobriram, quiseram urgentemente separa-la de mim, tentaram me convencer que o meu futuro aguarda uma metáfora do brilhante, das cintilantes arbitrariedades dos ternos e dos carros importados. A vida é feita de atos letárgicos que não suportam a verdadeira essência de ser eu.
Às vezes pensava se tudo o que eu estava abrindo mão era o correto, mas sabe como são essas paixões melosas que nos afoitam em atos, acarretando no nó de braços e pernas. Eu tinha a certeza em mim; a minha vida dependia da sua existência, pois ela me produzia sensações já mais sentidas, era muito mais do que minha própria realização pessoal e profissional, era a luz coagulada no meu sangue.
Há bastante tempo atrás, uns homens invadiram o meu quarto e usaram de força comigo. Diziam que era para o meu bem, que eu precisava de ajuda, como se eu tivesse que me libertar do que me prendia. Eu lutava contra eles, também sabia ser bruto... Até usarem um forte sedativo. Meus olhos caiam, fechavam contra a minha vontade até não ver mais o último brilho de luz...
Quando acordei, gritei pelo vão das grades, queria explicações. Disseram-me que eu estava internado em uma clinica de reabilitação para desintoxicação por uso excessivo de cocaína. Queriam me separar da paixão que me sustentava, dos frutos de um casamento fiel, que se fez pela inalação de sentimentos e inquestionáveis doses de rastro branco em cima da minha escrivaninha.
A raiva, a tristeza, o ódio e a carência se fizeram dentro da minha saudade. Não me importa quantas vezes eu vou voltar nessa base de Guantánamo, não me importa quantas primaveras a mais eu não vou ver o sol... O céu na China se fez de um vermelho brando, o meu céu é repleto de nuvens feitas de pó branco.
Infelizmente provoco diversas opiniões nas pessoas, alguns me julgam dizendo que eu sou louco, pelo simples motivo de estragar a minha vida perfeita; outros dizem que não há nada que o dinheiro não de jeito e que logo eu vou melhorar. De tantas especulações, e de tantos olhares afoitos ninguém consegue compreender que a verdade é que meu estágio não é de dependência, e sim de puro amor.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Conto – Versões plastificadas de uma célula.

Todos nascem iguais, isso independe de classe social, religião ou credo. Não importa se é homem ou mulher, somos iguais. Uns nascem em uma relação sexual pelos frutos da paixão, com o incomensurável desejo sustentado pelo laço mais forte, o laço do amor. Outros como eu, nascem de uma relação sustentada pelo nunca mais, como à tormenta do mais revoltoso mar, como se eu fosse um movimento inciso, uma moradia errada para todo o mal.
Eu nunca fui muito bom em biologia, eu nem sei por que se estudar tantas células, se a verdade independe delas, e nem sei o qual motivo de se citar células e verdades nesse relato, mas de alguma forma eu procuro respostas entre os vãos da incompreensão de tais verdades e células.
Quando eu cheguei a esse mundo, a convicção de que nasci da mesma forma que todas as crianças se fez mais do que evidente pra quem quer que fosse. Todos nascem pelo primor da igualdade, todos nós nascemos pelados, sem dentes e chorando. O que nos diferencia uns dos outros é quando crescemos, e nos tornamos uma vida independente, ou seja, viramos a real compreensão dos nossos atos. Onde a árvore de uma má criação ganha galhos e se revela negra na inclemência do mundo.
Quem foi meu pai? Eu não sei o que posso inventar para deduzi-lo. Eu não faço a mínima idéia de quem ele tenha sido, mas provavelmente um amante de boteco, sujo e sem escrúpulos. Minha mãe foi uma prostituta, que se encurvava por qualquer misero tostão, não por necessidade e sim por ser uma delicada apreciadora do sexo.
Talvez cada um tenha o futuro que mereça ter, o meu foi feito pela falta de amor, a ternura esquecida naquele verso estranho da mais estranha poesia. Isso foi arrecadando maus sentimentos em mim, foi me juntando traumas e mais traumas, era o desejo da morte no júbilo da vida.
Eu me tornei um homem frio, sem coração, calculista e desconfiado. O mundo pra mim era feito de plástico, a cor cinza com o rancor da vida se tornou meu estilo de vida. Isso não é sentido figurado nem nada, eu via o mundo em distorções de polietileno e polipropileno. Árvores secas a massacrar a vida de um homem sem motivo pra viver. Mulheres de plástico pra me julgar covarde, era a vida atrás de uma pergunta qualquer, um mísero sentindo apagado de luz, o fervor inexistente de um coração que não irradia sangue e sim óleo diesel.
Ludibriar mulheres com juras de amor inexistente, histórias e proezas que eu supostamente tinha passado pelo mundo. Eu era o grande charlatão. Não tinha moradia fixa, subia na minha motocicleta e ia de cidade em cidade, espalhando aos sete ventos minhas ardilosas e plastificadas versões de mim mesmo.
Eu era um freqüentador assíduo de bordéis, era a versão ainda mais nojenta e ordinária que meu pai. Talvez por ter nascido dentro de uma casa de prostituição, eu me fazia sempre o melhor, o mais esperto, o complemento irregular das verdades supostas. Vivia sempre rodeado por mulheres, eu sabia compreender suas cabeças, eu sabia como afeta-las. As palavras eram minhas “piores” armas, o complemento de muitas delas... As benditas frases.
Minha fama foi se propagando. Muitas mulheres por onde eu passava se suicidavam, o amor exagerado que eu as fazia sentir era um balé de passos tristes conduzido pela dependência da minha partida. Mesmo não tendo nada haver com suas mortes eu era perseguido pela polícia como um inimigo da sociedade cristã, um inimigo público. Procura-se “O colecionador de almas”.
Tornei-me um tipo de Dom Juan, um monstro que vaga sugando e colecionando todas as almas em um vidrinho. Nos jornais saiam muitas histórias, como verdadeiras sagas ao meu respeito, o que proporcionava fantasia nas cabeças de todos. Muitos afirmavam convictos que eu havia feito um pacto com o Diabo, outros afirmavam que eu era o próprio.
A verdade é que eu não sabia o que estava fazendo, talvez nem seja esse psicopata todo que estejam noticiando. Apenas preciso procurar a parte do quebra-cabeça, o pedaço que seja primordial para acender a fagulha de uma nova emoção. Eu preciso sair dessa sombra, eu quero... Mas sou fraco.
Um dia resolvi mudar, pois havia conhecido uma formosa mulher em um bordéu, cuja alma não conseguia roubar. Ela tinha grandes e oblíquos olhos como os de Capitu, o que me deu uma verdadeira e diferente sensação de preenchimento.
O Dom Juan do novo século havia se aposentado. A certeza se fez o firmamento para o novo e existencial contorno de minha aura. Enfim entrelacei minha vida em outra, o que é uma forma quase irracional de contentamento. Só faltava-me conquistar a minha Capitu, para eu despojar a verdadeira essência de ser um novo ser.
No jornal havia saído à verdadeira face do colecionador de almas, um esboço perfeito do meu rosto. Seria o fim? Por incrível que pareça aquilo foi algo que encantou a minha Capitu, ela finalmente mostrou o que o amor contido nela poderia ser em uma pessoa como eu. Subimos as escadas apavoradamente loucos para desfrutar os prazeres recíprocos do amor, uma inflamação voraz de paixão.
Foi-se horas e mais horas, era a noite que se deleitava com as verdades inacabadas de um suplemento quase mágico de uma vida passada. Era o fulgor, éramos uma simbiose... Somos resquícios de fuligem.
No dia seguinte eu descobri que realmente era um tipo de monstro, pois eu havia ido embora, deixado o lado esquerdo da cama, onde o frio se fez por horas quentes. Havia feito mais uma mulher se suicidar, mais uma alma... A melhor delas. A verdade é que eu nasci diferente, não foi meu pai e nem minha mãe que me tornaram assim, foram minhas células de plástico que formaram metástase em um todo.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Concurso Cidade de Porto Seguro - Contos

Saiu finalmente o resultado do concurso de contos da cidade de Porto Seguro. Pra quem achou que eu ganhei alguma coisa está muito enganado, não ganhei nada.
Quando pensei em ingressar nesse mundo de competições não imaginei que conseguiria algum destaque. Como disse acima não ganhei o prêmio de mil reais. Mas isso não significa que sai perdendo.
Provavelmente se eu ganhasse esse dinheiro gastaria com futilidades, tomaria cerveja com meus amigos, muitas cervejas... (o que seria ótimo), compraria um estoque quase vitalício de maços de cigarro, de preferência Marlboro Light (o que seria ótimo também, já que R$ 4,50 está muito caro), e compraria finalmente o fogão azul, velho e surrado pela ferrugem que tanto eu imagino e idealizo. Quem é que tem um fogão azul? Eu quero ter um!
Esse concurso da cidade de Porto Seguro foi minha primeira experiência em algum tipo de concurso de literatura, isso é bom pra medir a evolução e os parâmetros que minha escrita está se tornando. Já que minha professora de português do colegial nunca me deu mais que “sete” em uma redação. Porra, eu não queria ficar falando sobre coisas que não me interessava.
Faça uma dissertação sobre... “O cultivo de arroz integral do Japão”. Que coisa chata. Tirando isso tinha uma menina gostosa que me ajudava a tirar os meus “setes”. Ela sentava bem ao meu lado, toda aula de redação, e sempre usava uns decotes provocantes. E quando vinha me pedir alguma coisa, quase lançava seus peitos na minha cara. Ou seja, concentração Bye Bye.
Eu tenho um sério problema de concentração, não consigo fazer nada com alguém falando no meu ouvido. Nos meus tempos de faculdade (me formei no final do ano passado), meus colegas de classe achavam que eu era algum prepotente ou sabichão que não gostava de se misturar. Uns três meses depois, eles perceberam que eu não regulo muito bem das idéias. Caralho, eu tenho adoração por lagartixas, não posso ver uma, pois logo me desligo do mundo. É curioso como ela consegue grudar nas paredes, e quando ela fica ali toda parada, esperando o momento certo pra pegar o pernilongo.
Pra mim isso é tão emocionante como uma tabelinha do Romário e do Bebeto na copa de 94. Mas isso não tem nada haver com o concurso.
Enfim, não ganhei o concurso e nem os mil reais, mas consegui uma publicação, é o que eu acho o mais importante. É legal você conseguir coisas por você mesmo, sem depender de ninguém. Eu já fui vencedor de três concursos de melhor banda de rock, mas não venci sozinho. Conseguir uma publicação foi algo meu, só meu!
Dentro do meu jeito estabanado de ser eu vou construindo as palavras, as frases e a capa do livro que é a minha vida. Alguém me disse uma vez que você é o que você conquista. Eu sou uma Antologia.

O resultado do concurso está disponível http://www.vialiteraria.com/

O conto "A Carta" foi algo muito diferente que eu escrevi. Ela está postada aqui no blog, jogada nas profundezas dos dias que se passaram.

Desculpem-me os palavrões, é porque estou lendo um livro do Marcelo Rubens Paiva e ele mexe muito comigo.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Conto – Amarelo

Quando eu a conheci logo me veio aquele desejo proveniente da ventura, como se o crestar definitivamente tivesse se tornado no ardor do contentamento. Como poderia eu não notar no seu singelo sorriso, a verdadeira essência do experimental nascendo nas curvas dos seus loiros cabelos.
Na época eu queria ser o Bob Dylan, andar vagando com minha simples gaita, lançando solos soprados acompanhados do meu velho e saudoso violão. A arrogância era a mesma, feita de complementos ardilosos e um pouco de ousadia, o que acarretou em alguns amores derivados no fervor do folk.
Eu não era nenhum gênio musical, porém me arriscava em algumas apresentações. Variava meu repertório entre coisas que eu achava interessante, adaptando musicas ao meu tipo de voz e levando-as na cadência de quem sabia que estava no controle. Fez-se então a mágica transformação das iguarias da minha mente, a recordação solene da juventude aos pés da caduquice.
Lembro-me como se fosse hoje o som do meu violão e da luz do palco que lançava sua furtiva e ofuscante adoração por mim. Os olhares de admiração de todos quando eu evocava dos pulmões o som doce da minha voz defronte ao microfone, é algo habitável dentro do espelho quebrado da minha memória até hoje.
Foi em uma dessas ocasiões com trilha sonora que eu a vi pela primeira vez. Estava eu tocando uma musica que agora não me lembro, só sei que o baque de enxergá-la no meio daquele mar de gente foi tão grande, que a voz pigarreou e as notas do violão saíram completamente descompassadas. Parecia um delírio dos meus olhos, uma febre que ardia, uma imagem que não cessava dentro do meu peito. Meus poros sugavam substâncias desconhecidas, uma invasão de cores, a combinação de todas elas, era o branco a cor do amor.
Não pude deixar de notar que a adorável mulher dos meus sonhos usava uma camisa branca com letras bem grandes The Beatles. Eu sempre fui um cara cheio de artimanhas, aproveitei a ocasião e toquei propositalmente yellow submarine para impressioná-la.
Quando acabou a minha apresentação fui diretamente ao bar pegar uma cerveja para molhar minha garganta seca, quando de repente a formidável mulher veio andando ao meu encontro. Seus passos pareciam macios, pois acariciava o chão como figurantes brumas dos incrédulos, um charme, o engodo fácil para as tentações do sexo.
Começamos a conversar à beira do balcão do bar. Ela me dizia que havia adorado a minha apresentação, e afirmou convicta que a melhor música que eu havia tocado foi a dos Beatles. Ponto pra mim!
Um mês depois desse ocorrido já estávamos morando juntos. No início ela odiou meu apartamento.
- Como você consegue viver assim sem mobília, com apenas um colchão estirado ao chão? – lembro-me dessa pergunta claramente.
Eu também odiei de início o apelido que ela me deu. Vê se tem cabimento ficar me chamando de Amarelo, só por causa do yellow submarine? Mas como o tempo é o fio pro carinho, eu logo me acostumei a viver recluso dentro dessa idéia.
Nossa vida passou a ser regada dentro do que era cabível dentro de nós mesmos. A gente transava no colchão, de vez em quando escorregávamos pelas paredes da sala, em outras sentíamos o ranger dos tacos soltos do chão. Vivíamos a nossa história como em um musical alcoolizado, onde ficávamos pulando na loucura jovem, embelezando ainda mais a nossa relação.
Antes que eu me esqueça. Se tivesse uma mesa no meu apartamento provavelmente faríamos sexo em cima dela também. Éramos o suplemento da nossa respiração, éramos a poluição chamada óxido de amor.
Tudo seguia belo como nas primaveras das cidades turísticas. Quando de repente ela chegou até mim e me disse que iria embora. Não houve nada que eu pudesse fazer, ela juntou as suas roupas e desapareceu no horizonte. No dia seguinte, eu fechei a janela do meu apartamento, encostei meu violão na parede e jurei também que nunca mais iria voltar.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Conto – A visão oculta da cegueira

A recordação continua fresca no fervor da minha mente. Eu era tão jovem e tão inconseqüente que não media as ações do meu comportamento e nem dos meus passos, vivia pelos delírios afobados dos meus olhos de homem que descobre o mundo. As novidades que aparecem suavizadas pelo tom da liberdade, e o controle do seu próprio nariz são os desejos mais antigos de qualquer pessoa. A vida recheada pela liberdade, logo me trouxe os frutos do sexo, estampado pela quimera da carne e nos relevos dos corpos das divinas mulheres que eu supostamente amava.
Meu alicerce e meu controle surgiram desse modo habitual de vida, o que eu achava importante era necessariamente o que eu podia ver. A felicidade era entendida com facilidade e meus desejos era o complemento incoerente das coisas gritantes, algo que poderia sentir em sonetos de cantores eloqüentes, que expressam idéias nas suas canções resumidas em versos simples, ou seja, fáceis de entender.
Quando a visão foi levada de mim por algum tipo de doença rara, meu único desejo foi que a morte me desse carona para qualquer esquina longe do meu corpo, as minhas pálpebras cinza de dependência escorriam lágrimas destiladas e o simples movimento do pestanejar diante do adorno dos meus olhos, pra mim era como uma metáfora de uma canção sem nexo.
Com o tempo você vai se acostumando com as deficiências casuais, claro, que existe o embargo da cegueira dentro de mim, à clausura dentro de um mundo negro apesar de tantos anos de experiência, ainda me provoca muitos pavores. Não enxergar a capa dos meus livros favoritos e não poder ver a reação das pessoas, são os detalhes que me instigam e que me deixam em estado de louca curiosidade; apesar de tentarem detalhar tais coisas pra mim, eu compreendo que existem detalhes que só os olhos podem entender.
Os anos iam percorrendo, e cada vez mais eu ia me adaptando à condição de deficiente. Eu já tinha meus afazeres e explorava novos espaços, tentando fazer que minha vida valha a pena, distanciando-me cada vez mais da palavra incapacidade.
Todos os dias às dez horas da manhã eu saia da minha casa para ir à praça, no inicio eu sentia muita dificuldade de me guiar por lugares desconhecidos, mas aos poucos fui aprendendo que batendo a minha bengala pelos chãos ocos das calçadas eu poderia me localizar. Eu sentava sempre no mesmo banco, admirava o sol no meu rosto com o lograr de criança quando ganha seu presente favorito.
Em uma dessas minhas saídas despretensiosas, eu me deparei com a situação que mudaria minha vida. Apaixonei-me. Eu fazia sempre o que era de minha praxe, quando um doce perfume carregado de desejo e libido chegou até mim, algo sensível e provocante que me encantou e me fez sair do ar, inclinando-me na reclusão dos meus quatro sentidos plenos.
O amor ainda me fez mais feliz e ao mesmo tempo mais triste. Como poderia uma mulher se interessar por um homem como eu? Naquele dia eu tive a sensação do novo, e a velha sensação do amargo provocado pelo delírio da cegueira. Na volta para casa eu fui pensando, fui recobrando a consciência do amor inventado e escorado pelos ladrilhos do acaso.
Com esse caso de amor, muitas coisas ficaram martelando em minha cabeça. Veio plenamente em mim a memória póstuma dos meus olhos. Eu daria tudo para trocar a concupiscência da prostituta pela imagem da moça que roubou meu coração desolado. Mas entendo que isso não é possível, é apenas um obnubilado lamento pela inclemente tristeza dos meus dias.
De segunda à sexta-feira eu ficava esperando a mulher passar e despejar seu feromônio, eu podia seguir seus rastros e ouvir em seu andar uma forma irracional que crescia desenfreada e inocente.
Se não me engano foi na quarta-feira que criei coragem para chamar-lhe a atenção. Eu ensaiei o final de semana inteiro para fazer bonito na segunda-feira. Cheguei pontualmente às dez horas e quando seu cheiro ia se aproximando eu levantei do banco para lhe dizer tudo o que eu havia decorado, mas sem querer tropecei e cai estirado no chão. A vergonha se fez rouca e complexa, o que acharia ela de mim?
O seu perfume ia se aproximando cada vez mais, sua voz preocupada me encantou logo de início o que consolidou ainda mais a minha paixão. A partir dali conversamos muito, trocamos inúmeras confidencias e selamos o nosso amor com uma esgrima de línguas.
Apesar de estar mais de uma década encalacrado dentro do negrume da cegueira, eu finalmente consegui abrir os meus verdadeiros olhos e ver dentro da complexidade dada a mim o que me faz ser melhor, ou seja, o que realmente importa.


"O amor restaura a alegria quando a melancolia abate o homem. Penetra nos recônditos espaços e, embora envolto em profunda cegueira, vê com toda a amplidão de luz, pois o cabedal do amor é para o coração como prata reluzente para os olhos".
Inácio Dantas

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Átimo em pó

O céu composto de um veludo negro ridiculariza essa noite de sábado. Um céu diferente, repleto de mudanças e transformações. Era assim que eu o via, como um mistério. Um céu sem estrelas, tomadas por recortes de nuvens mais negras que a própria escuridão da noite. Sua força regia uma ira incomum, como se fosse lançar sua raiva pra me castigar, uma penitência por algo que eu fiz ou hei de fazer.
Os raios com seus rabiscos luminosos, dava-me certo pavor e algum tipo de encantamento, pois meus olhos vibram em seus desenhos, enquanto seus recortes violentos pairam pelo ar.
Eu simplesmente não sei onde eu estou, pareço perdido, porém confiante em minhas capacidades. Eu nunca tinha visto o céu por aquele ângulo, parecia que ele me envolvia com certo tipo de membrana, como se eu fizesse parte de sua própria complexidade. Os raios pareciam-me menos intensos em certo momento, as nuvens negras sumiam e as estrelas escondidas apareceram pra mim me convidando a tocá-las. Eu senti cada vez mais o relaxar do meu corpo, eu estava flutuando no espaço com uma tranqüilidade única. Pareceu-me familiar tudo aquilo, o céu negro cercado por estrelas, sua vertigem me possuía e me deliciava a passos lentos, porém certeiros.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Conto – Bicho de 7 cabeças


As lembranças ainda estão congeladas na minha mente, conservadas pelo amor orgânico de inúmeras cadeias de carbonos enfileirados. Parece que foi ontem que a vi pela primeira vez, a lembrança sentida e exalada pelo seu doce cheiro, o presságio verdadeiro da vida irradiada em seus longos cabelos negros.
Estava eu sentado no tradicional bordel da cidade, onde eu era considerado pela grande maioria um rei, por causa do alto valor que meu dinheiro tinha e ainda tem. Talvez nem só de dinheiro minha alma seja composta, digo sem hesitar que o dinheiro é o meu segundo maior enfeite, pois minha nobreza não se fez apenas em incontáveis cédulas e sim nas ventosas curvas de meu corpo e no resplendor de alva que cisma em brilhar nos meus olhos azuis.
A “luxúria” se fez em mim vistosa e atraente, era a porta para me levar á outros corpos perfeitos, era a fórmula para deixar mulheres loucas de desejo, e dentro de um tempo leva-las ao exercício do suicídio. De fato, não existia nenhuma mulher que não se deslumbrasse, que não se atirasse em meus braços e que não queira morrer de amor por mim.
Todas às noites antes de sair para as minhas noitadas de sexo promíscuo, sempre me vestia com os meus mais luxuosos ternos, e sempre me olhava em frente ao espelho vangloriando-me em certo tom “soberbo”, para ter ainda mais convicção de que eu era a obra perfeita, esculpida e estruturada pelas mãos santificadas de anjos.
Na noite em que a conheci, eu usava um lindo terno de linho branco, comprado por um renomado estilista francês da época, usava uma cartola da mesma cor dando ainda mais charme e fazendo crescer ainda mais a minha superioridade e a minha amarga arrogância.
Milhares de mulheres passaram pelas minhas mãos, inúmeras tiveram o deleite de sentir-me na cama. Algumas procuravam respostas. Como alguém pode ser tão lindo, rico e ainda por cima ter um apetite sexual tão intenso? Outras preferiam se enganar achando que minha “gula” é algo referente ao amor que eu supostamente sentia por elas.
Eram assim os meus dias e minhas noites quererendo ter sempre mais e mais, nunca me contentando com o que já tinha, cobiçava até as mulheres de meus saudosos amigos admiradores. Vivi assim sem controle e sem nenhum impeto para pensar em temperança.
Eu fazia crescer o amor em minhas queridas mulheres com se fosse nada a mais do que figuras de linguagem, aproveitava-me de minhas prostitutas mostrando o quanto era honroso para elas ter o prazer de dormir comigo. Apesar de ser rico, raramente as pagava, a “avareza” era um tipo de jogo meu. Pra que pagar se posso ter tudo de graça? Afinal, não quero ser um desses bobos que perdem todo seu dinheiro com jogos e com mulheres profanas. Faço dos meus bens materiais um certo tipo de idolatria, julgo meu dinheiro como se fosse um Deus que me consola e me da alegria na minha vida mundana.
Além de não paga-las, muitas vezes por “preguiça” dormia em suas camas até altas horas da tarde do dia seguinte, impossibilitando-as de ter um dinheiro a mais. Eu confesso que sou a morosidade em pessoa, nunca trabalhei e tenho aversão a essa palavra, vivo pra dormir e minha vida é relativa ao ócio do ofício.
Na noite do ocorrido, sentei-me defronte ao palco do bordel, no meu lugar cativo de todos as noites. Gostava de sentar ali, pois tinha uma visão privilegiada das donzelas, o que estimulava ainda mais minha libido. Soube a pouco tempo antes de me sentar que havia uma apresentação de uma nova mulher, fique aguardando ansioso para ver minha nova admiradora, minha nova aquisição.
As cortinas iam se abrindo vagarosamente, e meu olhar era compenetrado. Abriu-se a cortina por completo... Nunca tinha visto mulher como aquela, uma linda dançarina de flamenco com os cabelos negros como a noite, com olhos castanhos de uma firmeza única e exemplar. Seu vestido era vermelho e percorria por todo o seu corpo, deixava apenas um decote amostra, por onde eu podia sentir a quentura do seu corpo, era ali o caminho por onde todas as cores se acentuavam em um tom desconhecido até então no meu espirito.
O violão tocava, enquanto seu corpo bailava em um luzir de desejo, as castanholas eram a musica que impulsionavam as batidas do meu coração. Naquele dia eu tive a certeza que tinha encontrado o amor.
Nenhum dos meus amores pagos podia ser comparado com ela, à linda dançarina de flamenco. Pela primeira vez na minha vida me senti pequeno em frente a uma situação, a voz pigarreou em minha garganta e não conseguia fazer-lhe demonstrações de afeto, eu havia encolhido perto daquela honrosa dama.
No término da apresentação permaneci imóvel, estava sem ação e não conseguia disfarçar o júbilo da paixão imposta repentinamente em mim. Quando ela desceu do palco, deu um grande beijo na boca de um homem gordo, feio e careca. Como podia aquilo ser verdade?
Fui tomado pela “inveja”, minhas qualidades eu havia ignorado e passei então a admirar com olhos de louco o crescimento espiritual do meu adversário. A “Ira” foi crescendo dentro de mim e em um movimento quase instantâneo, dei-lhe um golpe certeiro no pescoço...
Minha Vênus saiu ligeiramente pela rua, e eu fui atrás dela disparado. Queria eu lhe dizer que a amava, segui erguido com meus olhos fixados nela, quase tropeçando pelos deslizes dos paralelepípedos. Agarrei-a pelos braços, beijei-lhe a boca e ela me disse que eu sou repugnante. Mesmo assim lhe beijava na penumbra da noite clara. Ela resistia a se entregar e a fúria foi crescendo dentro de mim, até que eu a matei também...
Meu amor por ela foi uma paixão melada de dependência e de submissão, vivo pensando em sua beleza e em seus beijos que ganhei roubado. De certa forma, com o tempo descobri que meu desejo pela dançarina não era amor puramente, pois ele podia ser definido e explicado. Minha vida depois do ocorrido continuou a mesma, e de todos os pecados que eu tenho em mim o pior deles é poder estar livre, na ambigüidade da palavra, é claro.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Conto - Se juntim nois dois drumisse

As rezas vinham diante da sua vida por todo o apelo do seu sofrimento, rezava sem parar para que Deus lhe ouvisse. Não queria mais ver o solo arenoso, nem as rachaduras infinitas que estavam penduradas pelos vãos ocultos da sua dor. A sua esperança havia morrido junto com o resto da vizinhança, a solidão pelo contrário do que eu imaginei não era seu maior dilema. A vida sim, impregnava-se com um aroma diferente, uma sensação amarga de ter obtido uma resposta pelo seu suposto castigo.
As pessoas fugiam com medo da seca, algumas fugiam levadas pelos anjos, outras preferiam morrer no inferno as bordas da linha do equador. Sua pele desmoronava tristeza, sua fraqueza física era evidente e cuidadosa, um disfarce da grande força escondida pelos belos vestidos da sua alma. Sua vida esvaíra em um processo paulatino, pois a fome gritava aos seus ouvidos surdos e a sede era o fio de uma morte anunciada.
Ele sempre viveu à base desse sofrimento, sempre a seca matou e destruiu o doce amor da permanência, o amor da prolongação da vida e de uma futura certeza confirmada com o olhar da sua experiência. Mas dessa vez era diferente a estiagem, ela se prolongava pelos meses à dentro, vinha com uma brutalidade que em todas as suas cinco décadas de vida jamais havia presenciado aquela tamanha destruição.
A árida paisagem não consolava nem mesmo aos mortos, nem mesmo Deus acreditava que pudesse alguém sobreviver naquele inferno, onde até os sonhos eram evaporados pelo calor presente naquela inapropriada realidade. Eram assim os seus dias, eram assim os seus meses, era a vida que corria fugida pra se consolar com a morte.
Deus não lhe ouvia, parecia ter lhe esquecido. Era apenas mais um abandono, uma tristeza absorvida e embrulhada em um papel celofane vermelho. Seus sentidos foram acumulados em uma caixa oca, sem vida, onde a dor de existir era seu maior sofrimento. Talvez de tanto sofrer seu coração tenha se tornado calejado, era fácil pra ele suportar mais uma dor, quando o que só ele via ao seu redor era o nada, onde o que sentia havia caminhado pelo caminho irônico da santificação.
À noite ele podia ficar perto de todos, olhava as estrelas em um balé de luz, mesmo não tendo certeza, queria encontrar seus filhos no luzir da lua, no paralelo de uma realidade diferente da sua, no crepúsculo da verdadeira felicidade.
A Revolta dentro de sua ignorância crescia. Por que ele? Já não bastava ser esquecido por todos? - Sua pergunta pairava no ar e a resposta era evaporada pelos raios do sol.
Uma decisão, seria o último dia que iria fazer suas preces, não iria direcionar sua fé a Deus e sim ao Diabo que combinava mais no inferno em que ele vivia. Feito e dito. Pediu ao Diabo a bendita chuva enquanto seus olhos se fechavam lentamente ao brilho da última estrela.
Quando acordou não via a cor da luz, enxergava uma escuridão formada pelas nuvens de chuva. Em todos seus anos de vida jamais havia visto um céu daqueles, um negro carregado de ódio, o desejo lúgubre realizado pelo seu lamentoso pedido. Levantou da cama e ficou desfrutando o ar gelado que invadia a única janela de sua casa, um pingo acertou-lhe a testa ferindo sua pele castigada pelo sol. Ele saiu de casa e correu feliz, rodeado pela chuva e grato pela nova vida que o Diabo havia lhe concedido.
Viveu assim, grato pela bondade do Diabo, nunca mais passou fome, havia até esquecido o que era a sede. Viveu muitos anos, até que a canção da morte cantou-lhe os ouvidos. Ele morreu tendo uma amarga ilusão, ele não tinha idéia que a chuva não foi coisa do Diabo e sim as lágrimas de um choro divino.

domingo, 14 de junho de 2009

Dormez vous

Acordei hoje com um tom de preocupação, meus olhos diáfanos queimavam ao radiar do crepúsculo do nascer do sol. Pigarreava a voz em minha garganta, doía à vida que eu tentava digerir.
Às vezes é tão fácil imaginar que a solidão provoca certos ares de insegurança. Minha vida é feita de uma solução de ácido sulfúrico, meu passado foi esquecido naquela outra passagem da canção. Tudo o que eu precisava é de um pouco mais de atenção, pois simples fatos podem mudar a menção de nossas vidas.
Sabe o futuro? Eu tinha feito um pra nós dois, viveríamos perdidos à deriva dos nossos próprios corpos. Seriamos mais do que paixão, nós transbordamos luz e resquícios de fuligem.
Toda vez é isso ter que digerir seu amor às avessas, ouvir e ficar calado, o passaporte de uma nova confusão. Não sei o que aconteceu com aquela promessa de amor que eu sentia no ar, nosso amor morreu com uma punhalada, um golpe de misericórdia com a ponta afiada pelo tempo.
Nossos corações morreram embriagados pelo esquecimento, nossa vida tornou-se um pandemônio, uma vertigem feita de amoníaco e caixas de bombom.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

O desacelerar dos meus olhos

Gastando minhas unhas, arrancando você da parede do meu quarto.
Respirando por um buraco no meu coração.
Meu cigarro fede a solidão e mesmo assim me sinto bem.
Dentro desse buraco já não posso mais ser salvo.
Da janela do meu quarto me ponho pra fora no mundo,
Me perdendo em sentimentos ao gotejar da chuva...
Aonde foi escrito, pra eu achar?
Do precipício dos meus sonhos eu me atiro em você.
Caio sufocado ao sentir que o esquecimento é só mais um detalhe na minha vida!
Os negros cabelos acariciados pelo perfume da doçura
O suspiro, a pausa da beleza, o desacelerar dos meus olhos e a franqueza do meu coração.
A loucura transpira pelo suor dos meus desejos
Já consigo ver meu amor do céu
Sendo separados por um feixe de luz
Meus dedos agonizam...
A nuvem negra fecha o caminho de luz desenhado pela lua
O vento corta minha pele como um aviso
Meu coração destrói o seu rosto...
Antes que a verdadeira você desapareça!

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Conto - De braços abertos sobre a Guanabara


Lembro-me daquele dia, é como se pudesse vê-lo diante dos meus olhos. Um flash avulso da minha velhice que vaga pelos delírios dos meus pensamentos.
O sol radiou por todo aquele dia fazendo minha pele chorar uma lágrima salgada. As nuvens pareciam recortes e sua forma no céu me lembrava algodões doces. Olhava para as nuvens e me vinha um típico apetite adocicado de criança desnaturada.
Eu estava perto de casa, brincava com minha bola de meia, o ultimo presente que meu pai me deu antes de falecer. A tristeza ainda reinava pela casa mesmo um ano depois do acorrido. Minha mãe vivia pelos cantos, chorando a morte de papai e muitas vezes se esquecia de mim. Porém não fazia isso por maldade.
Meu irmão mais velho tem sete anos a mais do que eu, na época ele trabalhava em uma loja que eu nunca soube muito bem onde ficava. Naquele momento de minha vida, talvez fosse à pessoa que mais me amasse, que mais se importasse comigo.
O sol ia se pondo e mergulhando sua esfera de fogo na imensidão do mar, as nuvens de algodão tornaram-se pretas, como aviso prévio da noite que vinha. Eu sabia exatamente que hora era aquela. Era à hora do meu irmão chegar.
Quando ele finalmente chegou abracei-lhe forte com amor, com a intenção de não solta-lo mais. Os dias eram solitários, minha casa era fria, todos estavam fortemente abatidos pela pobreza que nos cercava, e meu irmão jogou sobre as suas costas a responsabilidade de cuidar de mim e da minha mãe.
- Orlando, hoje, dia 12 de outubro de 1931 é um dia especial para o Rio de janeiro, é o dia que entrará para a memória de todas as pessoas, um dia de bondade e de paz para nós. – disse meu irmão sufocado pelo meu abraço.
Eu não fazia a mínima idéia do que ele estava falando, mas fiquei curioso e pedi que me levasse nesse local. Por sorte minha, era a sua intenção me fazer parte daquele dia especial e de certa forma proporcionar a história que muitos anos depois eu estou lembrando agora.
Descemos à ladeira da favela juntos, segurava-lhe a mão como se ele fosse meu super-herói favorito, como se fosse o meu pai que já não tinha mais.
A rua estava um alvoroço só, a alegria estava estampada nos rostos das pessoas. Voavam confetes e serpentinas, sobrava felicidade no coração de todos, transbordava a paz e uma conjuntura de sentimentos que na época não sabia como explicar.
Quanto mais andávamos mais pessoas surgiam, parecia um formigueiro humano, as ruas não eram grandes o bastante para acomodar tantas pessoas. Apertei ainda mais a mão do meu irmão e fomos cortando a fila, nos espremendo pelos buracos vazios que forçávamos para tentar conquistar.
Fomos penetrando ágeis e ligeiros como espermatozóides a procura do óvulo da mulher amada, até que... Nossas mãos escaparam, fugindo do elo de uma amizade sem fim. Meus olhos derramavam desespero, minha alma despedaçou e cai em um mundo de tristeza, pois meu irmão havia sido engolido por um mar de gente e eu estava sozinho ao lado de milhares de pessoas.
Não o via mais, sentia-me literalmente perdido, meus ouvidos não ouviam e meus olhos não enxergavam, devido à lástima do momento. A festa não cessava, as pessoas riam, outras rezavam e eu invejando essa felicidade que me cercava.
Sentei-me no meio fio, chorava pelo lamento que minha vida havia se tornado, chorava por papai, por mamãe e pelo meu irmão agora sumido. Estaria eu sozinho pra sempre? Eu estava tomado pela tristeza, à arbitrariedade que eu vivia nos meus dias em casa.
Uma moça se aproximou de mim e me perguntou:
- Por que você está chorando?
- Porque estou sozinho, meu irmão sumiu e não sei para onde ele foi.
A moça que falou comigo naquela noite, era uma moça muito bem apessoada, uma mulher com olhos verdes, com uma bondade que se sentia, como se vazasse por sua alma. Uma mulher iluminada.
Ela me disse, que supunha pra onde meu irmão havia ido, e de fato para onde todas as pessoas queriam ir naquele momento.
Hoje, imagino que aquela moça devia ser muito importante na sociedade da época, pois as pessoas deixavam, abriam vãos pra que ela passasse. E fomos assim seguindo em frente.
Chegamos à frente de um morro muito alto, eram tantos degraus que meus dedos não conseguiam contar. Subimos com a esperança de encontrar alguém, uma longa jornada para cima, estávamos subindo para o céu.
- Mocinho, qual é o seu nome? – me perguntou a moça
- Meu nome é Orlando.
- Você sabe para onde estamos indo?
- Não, eu não sei.
- Vamos ver Jesus. - Respondeu ela.
Eu já tinha ouvido falar desse homem, era pra ele que mamãe rezava. Ela pedia pra ele força pra agüentar os dias difíceis, suplicava que a vida melhorasse, pedia benção e felicidade. Não sabia quem era ele, mas devia ser uma pessoa muito boa.
Fomos assim, de degrau em degrau subindo pela ladeira dos céus até chegar. Jesus estava lá. Todos inclusive eu, admirados pelo tamanho dele. Seus braços abertos acolhendo a todos, era o dia de sua inauguração. Ouvia algumas pessoas falando “Jesus é carioca, Jesus é carioca”. Seu tamanho era surreal pra mim, me sentia muito pequeno ao vão de suas pernas.
A moça despediu-se de mim, porém não me sentia mais só. Ajoelhei-me, como mamãe costumava a fazer, e fiz um pedido a Jesus. Queria que ele ouvisse minha mãe, que levasse os dias difíceis e que a felicidade se instalasse de vez em minha casa.
As horas iam voando, e eu continuei ajoelhado em frente à imensidão daquele homem, sem arredar o pé dali. Passaram-se horas e mais horas, até sentir um abraço quente. Era meu irmão, ele me pegou em seu colo e me levou as pressas embora. Chegamos tarde em casa, estávamos cansados e então dormimos.
No nascer do sol do dia seguinte, acordei para tomar café e ainda retirava as remelas depositadas em minha face, foi quando tive a surpresa de ver minha mamãe sorrindo. Um sorriso repleto de mudanças, um sorriso cheio de esperança. Coisa que ela não fazia desde a morte de papai.
Hoje dia 12 de outubro de 2008, enquanto sou carregado pela escada rolante a caminho do céu, já velho, cansado e enrugado pelo tempo, com oitenta e sete anos de idade, me ajoelho de novo, agradecendo a esse homem gigantesco pela ajuda e pela felicidade que ainda reina por todos os dias de minha vida.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Conto - A Carta

Rio de Janeiro, 11 de Maio de 1957

Caro Gabriel,

Como você sabe sou um renomado advogado. Muitos alegam que eu sou um gênio, outros apenas me acham um bobo convencido. O que eu sou pra você?
Sei que você é um homem com muitos deveres e obrigações, mas eu me senti na obrigação de enviar-lhe essa carta. Eu gostaria de lhe dizer que já tem tempo que eu sei que você existe.
Eu sou um homem feliz, sou casado com uma mulher linda. Seu olhar é castanho amendoado de uma primavera sem fim, sua boca tem o gosto da maça que culminaria na expulsão de Adão do paraíso. Seus seios certos de desejo e libido, uma perdição concreta feita de doçura e fulgor. A receita certa pro meu corpo, o recheio incoerente pro meu espírito.
Mas acho que o senhor já sabe disso, não é?
- Sim eu sei, sua mulher é uma loucura, ela me proporciona prazeres jamais imaginados por um homem, ela fede a sexo. Seus seios como você mesmo disse é uma perdição concreta, sempre quando você sai, eu me aproximo de sua casa, entro pela porta da frente e transo com sua mulher até não agüentarmos mais. Acho até que estou me apaixonando por ela.
Eu a conheci na faculdade, foi amor à primeira vista. Seu cabelo voava com o vento, um loiro cintilante, um luzir magistral. Ela encantou meu coração com o simples assobiar dos seus passos, com seu singelo sorriso, com sua doçura fora de sério. Mal sabia eu que em seis anos de casado descobriria que ela não passa de um doce deletério.
- Verdade, sua mulher não presta ela é uma piranha. Ela tem orgasmos múltiplos comigo, ela grita meu nome enquanto rolamos na sua cama. Ela agora é minha mulher.
Eu escondi esse segredo de todos, eu queria lhe pegar no flagra. Eu chegava do trabalho mais cedo, em outras vezes me escondia no quintal, porém eu nunca lhe vi. Descobri você há uns dois meses atrás, você usava meu chinelo, comia as minhas comidas e deixava marcas na minha mulher. Eu levei esses dois meses te estudando, pois tinha certeza que lhe pegaria. Porém isso não aconteceu.
- Eu sou um profissional, sou amante, tenho segredos que ninguém jamais vai descobrir. Você é um tolo se achou que conseguiria me pegar, isso de fato nunca vai acontecer.
Desculpe minha letra, perdoe-me por meus garranchos, pois estou nervoso e completamente embriagado.
Hoje eu cometi um grande erro, tive uma grande discussão com a minha mulher. Eu explodi, falei que sabia de você. A chamei de piranha e de outros nomes baixos. Ela me disse que me amava e que não existia nenhum outro homem na vida dela a não ser eu. MENTIRA. Eu a espanquei, afirmei a ela que vocês transavam enquanto eu ia trabalhar. Sabe o que ela me disse?
- Meu amor, você está desempregado há dois meses. Dá pra acreditar?
- Verdade não dá mesmo...
Eu a forcei a dizer o seu nome, batia em seu rosto com muita rispidez, chutava seu ventre com ódio incontrolável. Eu estava possuído.
- Me diga o nome do desgraçado?
- Meu amor, eu só amo você – me dizia ela.
Acertei-lhe outro soco. E ela me disse uivando de dor que o nome de seu amor é... Gabriel.
Eu não suportei de tanta ira. Sai correndo pela casa e me encaminhei até o “nosso” quarto. Peguei um revólver na escrivaninha, segurei-a pelo braço e acertei-lhe um tiro na cabeça, um tiro a queima roupa, um tiro fatal.
- Eu não acredito que você fez isso? Seu assassino!
Agora eu tenho certeza que você nunca mais encostará seu dedo imundo nela. NUNCA MAIS.
- Você é um idiota, um idiota.
Amanhã Gabriel quando você chegar, você a encontrará toda ensangüentada em cima da “nossa” cama, uma mulher condenada pelos seus pecados. Quero ver você ama-la novamente?
- Eu a amarei pra sempre...
Eu deixei essa carta justamente em cima de seu corpo. Espero que você a encontre, pois quando você chegar e a encontrar, quero que descubra lendo essa carta que você é o culpado por duas mortes essa noite.

Um grande abraço

Assinado: Gabriel


Pow.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

A porta da percepção de William Blake



Eu perdido com meus passos. Afásico, perante tudo aquilo, pois não sabia o que seria de mim naquele momento. O medo enraizou, brotou, floresceu, germinou, dentro de mim. Mas minha confiança e responsabilidade gritavam pra que eu continuasse em frente.
A luz é forte, ela queima a minha vista, seu calor é confortante, seu luzir é acolhedor. Meus olhos são os elos entre meu espírito e o mundo. A cada passo, a cada instante, a cada segundo restante de um feixe de vida, você considera um momento especial. Um momento seu que ninguém pode se atrever a roubar.
O sorriso embaraçoso, um adeus precoce, um pensamento, uma vida deixada pra trás, um abanar de adeus aos meus amores. A luz me devora com sua mesquinhez e pressa. Eu saí, por entre a porta. Eu não sei onde eu estou. Minha vista está branca pela intensidade da luz que corrompeu meus olhos. Segurei-me ao vão da porta. O cara com cabelos de cobre encosta no meu ombro. Ouço gritos...