domingo, 26 de dezembro de 2010

Conto - Em algum lugar entre a vigília e o sono

     O meu bem estava apreensivo, levava-me às pressas, puxava-me pelos braços desejando a minha morte em Si maior. Nas ruas descalças não havia ninguém, morreríamos no silêncio, no segredo da nossa efêmera consumação. A nossa poesia morta era como o esterco que me floria e todas as nossas imperfeições queriam dançar, dançar grudadas, como se fossemos um único ser de corpo enjaulado. A chuva havia terminado; as guimbas de cigarros ainda eram carregadas ao bueiro mais próximo e meus pés irrequietos afogavam-se na passagem da água. E eu só pensava em beijá-la por inteiro. O mundo ao meu lado parecia girar mais rápido devido aos movimentos dos nossos passos apertados, tudo nos pertencia, e o mais importante de tudo era que dentro da imensidão a nossa volta o que mais desejávamos era o deleite de um abraço. A luz fraca do poste perdia sua grandeza diante do gigante Málaga, que piscava seus olhos no charme da noite que nos acolhia. Sua porta estava escorada no silêncio, no segredo, de casais que procuravam o refúgio daquele lugar para se amar as escondidas.
     Queríamos um quarto para pernoitar, e dormiríamos ali, como imaginávamos antes, abraçados, amando-nos de forma fictícia; contudo saciaríamos o nosso desejo ao recebimento da chave do quarto 203 pela simpática funcionária que nos atendera. Subimos as escadas que se engalfinhavam como caracóis e tudo o que nos fazia algum sentido era o silêncio que emanávamos. Tudo isso poderia ser explicado apenas por uma palavra, um adjetivo, que resumiria toda a apreensão de descobrirmos desnudos por completo. Medo. Medo do que seria a força que nos moveria para frente, a força que nos deitaria um sobre o outro e nos penetraria na colisão de dois corpos, dois ímãs, que nem o trágico ousaria separar.
    Os corredores vestidos de sexo e a tentação do vermelho da luz bruxuleante nos atingiam de tal forma que era impossível a nós descrever qualquer plano, qualquer pensamento antes premeditado. Tudo se apagara ao brilho da última porta, e a partir dali tudo seria dirigido, guiado pela libido natural, que naquele momento nos perfurava como uma bala perdida. Entramos devagar, olhamos com admiração onde estávamos e gostamos do que o nosso dinheiro poderia nos conceber. A cama lisa como um mar calmo era definitivamente onde queria morrer afogado.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Tipica coisa do sentir-se livre

Dias de calor, muito calor, olhos cansados, uma maresia inventada e um tanto de mentiras pra alimentar. Sem tempo de ser quem sou, de fazer o que realmente gosto, de alimentar meu vício e minha amarga súplica. Pesadelos me rodeiam, minha cabeça gira e tudo o que desejo é ir pra casa descansar. Sinto saudade das cervejinhas infindas, dos casos que o acaso me trazia e de um beijo molhado durante a noite. Tenho medo de ser assaltado, porém não me privo do gosto que o risco tem a me trazer. Às noites quentes, esporadicamente, vou pra Tijuca, encontrar o que hoje tem sido uma satisfação; levo meus melhores amigos... Conversamos, bebemos, morremos e ressurgimos até um suposto imaginário galo soltar seu forte canto. As ruas entrelaçam-se pelas esquinas e um vento forte me sopra o amanhã. O sábado se derrete de imaginário, na Lapa tudo sugere um novo encontro e mais doses de beijos construídos, uma chegada ao aeroporto e mais pensamentos e constatações em longo prazo. Loucura, insanidade, um pequeno sonho de adolescência se concretiza, estou feliz e feliz por estar assim... Quente como o calor que sugere a verdade erradicada pra fora, um isolamento dos meus dias de cão, um final em grande estilo.

sábado, 27 de novembro de 2010

Embriagando-se com Neruda

Deitado na minha cama as idéias parecem mais descompassadas do que quando estou perto do meu desassossego. É como se a inquietude me possuísse tornando-me um tanto recluso dentro da minha própria cela. Nessas horas acendo cigarros atrás de cigarros, desenterro um licor de tangerina, que mesmo fiz, no fundo do meu armário e começo a contemplar a minha fuga. No jornal, a notícia de que o mundo lá fora se diverte com a encruzilhada de balas desmancha qualquer possibilidade minha de vê-la. Sim, sairia pra qualquer lugar, com tiro ou sem tiro, só pra poder encostar-me em sua camada de açúcar. Vou colocar fogo num ônibus por não poder encontrá-la. Quer maior prova de fidelidade? Não tente entender o que certas pessoas têm na cabeça.
A lua está estatelada num céu de mercúrio e se aprumar um pouco meus braços para a direita, talvez, consiga encostar os meus dedos. É com essa imagem de proximidade que penso nela e na vontade de dizer tudo o que vem a minha cabeça. Hoje, tenho com o que sonhar e vender pra quem quiser comprar o meu melhor produto. Acho que é assim que se começa bem disposta à morte de poetas marginais. Talvez precise de Neruda perto de mim pra consolar-me.

domingo, 21 de novembro de 2010

Todo embrulhado em algodão

Eu queria saber como são aquelas notas devorando meus tímpanos, beber do sopro que me eleva e nunca esquecer o beijo que me alimenta. Às vezes, enquanto ando pelas ruas, penso em como seria se esses meus casos não tivessem morrido de morte prematura. Como eu seria hoje? Como agiria? De repente, me lembro que vivo a plenitude dos meus vinte quatro anos e que pensar, agora, não é o que mais tenho feito na minha longa estrada. Mesmo desfrutando de tudo que um homem pode ter, eu sei que sinto um medo muito grande, como se existisse um grande câncer devorando-me por dentro. Cada vez que os segundos mergulham no passado me vejo ainda mais vestido desse medo. Acho que quero abraçar o mundo sem encostar a borda no meu peito. Quero ter tudo e ao mesmo tempo mantê-lo afastado de mim. Ultimamente, tenho pensando mais em mim do que em qualquer coisa, não que eu esteja priorizando apenas o “eu”, mas tenho pensado que sentir-se vivo é o que de mais importante tenho.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Conto – A segunda mulher de um homem esquecido

As paredes continuavam encardidas de nós e o chão preso aos cadarços que criamos. Pode-se achar estranho isso, mas realmente parecia que a nossa casa arrebentaria e abriria um abismo entre nós. Eu estava de fato desatando esses “nós” e voava tão alto sobre esse abismo que não me importava em cair. O erro começa sempre depois de suscetíveis acertos e tem hora, convenhamos que fazer as coisas certas é um pé no saco, o meu foi chutado algumas centenas de vezes, só pra esclarecer. Eu tinha dezessete motivos para amá-la e não sobrou um sequer pra fazê-la pensar em como seria bom uma possível volta, sabe como essas coisas são, o tempo vai passando, passando e a nossa cabeça vai ficando cada vez mais orgulhosa.
Tentei inúmeras vezes convencê-la de que foi apenas um deslize, apenas um, mas ela é difícil de convencer do contrário, é irredutível quando se toma uma decisão, principalmente, pra sua vida ou pra sua morte. Supliquei tantas vezes que me perdoasse, surrei tanto minha cabeça contra a parede para fazer que meus miolos se reagrupassem, como uma forma de autopunição, mas nem o sangue, nem a dor de se rachar aquilo que me comanda foi o suficiente para fazê-la reabrir o seu peito. Tudo o que mais queria era o seu perdão, mas era como se tivéssemos caído em uma gravidade horizontal oposta. Sem ela parece que sou metade em tudo e no que se diz respeito às estrelas a minha parece que perdeu a luz e inebriou-se de vazio. Não sinto vergonha de dizer que toda a minha luz provinha dela, mas sinto orgulho de dizer que pequei em não dar o devido valor na hora certa.
Parecia um dia tão fútil quanto todos os outros na minha vida, os relógios continuavam batendo seus ponteiros sobre a minha cabeça, enquanto lá fora o mundo atravessava seu corriqueiro caos de pernas e carros. Nada que eu não estivesse prontamente acostumado. Quando mais acho que estou certo sobre algo, mais desesperadamente preciso procurar algo para me amordaçar. Acho que a rotina estava me matando paulatinamente, não estava tão feliz como antigamente, estava tão triste como uma nuvem de chuva em época de estiagem. Eu queria quebrar esses conceitos, esses pudores, queria viver algo novo sem me esquecer de quem de fato eu amava. Suplicava por debaixo dos panos um caso, uma amante, uma coisa que me trouxesse de volta pra casa, para a minha mulher. Era como se Deus tivesse me ouvido e prontamente colocado sua melhor moldura, sua melhor modelagem, em minhas mãos para eu poder brincar e me acostumar com o distante.
Sua inteligência, sua astúcia e sua beleza eram coisas que não podiam ser prontamente entendidas, deviam ser devoradas e engolidas a seco. Foi, de fato, o que fiz. Alguma coisa nela, alguma magnitude, alguma coisa que eu não era capaz de resistir, parecia querer me puxar para o fundo daquele seu vestido. Seu cheiro me hipnotizava e seu nome me lembrava nome de pedra preciosa... Não demorou muito para que eu provasse das suas garras, que me deleitasse com elas rasgando minha pele, foi como se sua alma tivesse impregnado na minha.  A suntuosidade das suas curvas, o deslize macio da sua pele e a quentura do seu corpo marcou-me muito mais do que uma simples foda. Eu estava amando pela segunda vez a minha própria mulher, amando uma que ela não orgulhava nenhum pouco em ser. 

sábado, 6 de novembro de 2010

Miles Davis' funeral

Quando se afoga qualquer sentido tudo o que vem a minha cabeça é: - “Como me livrar desse vácuo permanente”? Daquela vez, juro a vocês, eu quase morri afogado e seria capaz de repetir tudo novamente para ir atrás daquela sensação de anestesia na minha pele. Meus carbonos ferviam e minhas proteínas enovelavam-se, tudo parecia me consumir e mesmo sabendo que a morte me habitava e me punha dentro do seu cercado particular, o prazer e os significados da liberdade faziam um significado muito maior do que qualquer outra coisa pra mim. Ela era a melhor droga enquanto nos drogávamos juntos, era como se amá-la levasse os tons para cima e para baixo e toda a melodia tocasse ainda mais rápida. As horas de torpor queimavam conforme as fabulosas velas romanas, e era dessa forma que meu coração alcançava seu próprio término. A superfície que aproxima do fim me proporciona suas intenções e suas saudades; o contato mútuo, a faísca, a combustão e a fuligem... Tudo isso era fácil de encontrar e só podia ser encontrado naquelas horas especiais. Depois de erradicá-la das minhas frases, me senti como os sonetos mortos que leio todos os dias; porém, mesmo assim penso nela, exatamente, na sua última nota soprada nos meus ouvidos, como um saxofone, aquela nota doída que me disse para amá-la para sempre. Meus pulmões não agüentam tanta fumaça.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Morangos flambados

Às vezes, penso muito no que há por dentro da carne e no que isso remete do lado de fora do cerne dos seres vivos. Eu comeria a minha própria carne se isso fosse condizente com a atmosfera padrão. Nada mais pude crer a não ser na matriz perfeita daquela canção e no quanto estamos errados sobre as coisas que admiramos. Tudo parece querer sangrar no final, seja isso uma verdade ou uma mentira. Tudo se completa e é redundante quando estamos de peito aberto; prefiro viver a minha mentira que viver me enganando com a sua verdade. Tenho tantos sonhos e nenhum deles parece ser propriamente belo para merecer um destaque na prateleira dos intocáveis. Talvez, eu viva na nuvem do último carnaval, querendo, almejando que a súplica de outros seja a única coisa que me baste. Meus olhos correm tanto e a cada jeito que vejo alimento algum tipo de esperança. Dizem que a esperança é a última que morre, mas esqueceram de mencionar que essa mesmo é a primeira a matar. Morro quase todos os dias. Aos poucos tudo o que sou vai esvaindo-se para o ralo e a nova versão da minha atitude posta à mesa. E a cada adjetivo que recebo vou tornando-me outra pessoa, uma distante daquilo que imaginei pra mim. Isso me machuca tanto, num primeiro instante, que chego ao ponto de querer começar do zero, e realmente tentar fazer as coisas de uma melhor maneira, não para mim, mas para quem for. Mas essa não é a minha realidade...! Tudo isso sempre remete ao abandono e nunca a uma entrega.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Je N'en Connais Pas La Fin

Se existisse alguma coisa no céu que escrevesse sobre permanência leria linha por linha suas regras, ininterruptamente, paulatinamente. À noite parece que cobriu as estrelas com sua capa protetora e nada mais posso esperar além da fumaça que solto de mim. Tudo se resume do nada e esse tudo é o que admiro nesse exato momento; é a solidão enobrecendo o meu espírito. Penso muito no que vai ser daqui pra frente, no quanto o tempo é capaz de curar as feridas e tudo o que surge são promessas. Não sei o bastante sobre a vida, mas sei o bastante para manter-me vivo. Tenho um lugar, um mundo, entre a multidão e tudo o que queria era jogar todos no lixo com suas falsidades. A solidão é desonesta quando se alcança o outubro e me vejo distante demais pra conseguir pegar com a mão o pouco de sanidade que resta. Isso tudo voa para o olho do furacão e é inalcançável, inacessível; são os resquícios do final do mês escorrendo seus pecados. Quando aquele simples pecado não te enxerga como deveria as mutilações começam pelo peito, e tudo isso faz parte da cabeça, da dança. É como nas distorções, nas luzes lançadas no palco, onde o vermelho camufla todo o ócio enquanto o azul faz a mente girar no ritmo da nova juventude. Eu queria o mar inteiro e tudo o que tenho é um filete de água, um azul, que não me pertence.

Tipo Uísque - If You Go

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Pecando na vontade

Não foi dessa vez, provavelmente numa outra ocasião, num tempo de verossímil desamparo e tristeza, no qual necessitava desesperadamente de um abrigo. Eu quase me obriguei a isso, tentei forçar as coisas por detrás de uma cortina que parecia ser segura o bastante para se esconder, se encolher. Necessariamente, não acho que pensar seja sinônimo de compreensão, de sabedoria, isso tudo a meu ver não passa de medo escancarado. O meu problema no geral foi à necessidade de não ter, de estar numa eterna procura sabe-se lá de que. O que pode se considerar uma gigante babaquice. Por cerca de seis meses evitei intimamente os meus amigos, evitei sair com eles e me misturar a um tanto de pessoas que não me traziam nada, só mais tristeza e dor. Confesso que um amigo em especial, às vezes, conseguia me envolver nas suas conversas e me convencia a fazer alguma coisa a seu gosto; e com ele sempre me sentia bem, talvez por me sentir especial ao seu lado. Fiquei com inúmeras mulheres, algumas bem interessantes e outras nem tão interessantes assim. Eu creio que nessa época de desespero sem fim, estava acreditando demais no amor e nas poesias. Pra cada mulher que me envolvi eu escrevia um texto, um conto, mas nunca poesias; talvez por não oferecer o que tanto procuravam ou simplesmente por não ser capaz de fazer uma boa poesia mesmo. Fernando Pessoa sempre foi capaz de me fazer sentir um merda. Nessa época tornei-me amigo de uma grande pessoa e todos os dias nos encontrávamos num bar para conversar sobre livros, filmes, mulheres, imbecilidades e porque não para tomar umas cachacinhas. Eu adorava ler suas poesias, não eram aquelas poesias rebuscadas, eram intensas e sortidas dentro do seu desespero. Agora imagine quando chegávamos à noite já bêbados e discutíamos sobre nossas divergências poéticas? Palavrões cantavam e tapas quase saiam... Mas sempre nos encontrávamos e assim ficávamos presos dentro dessas brigas todo santo dia. Eu acho que por causa dele saí um pouco do sofrimento que estava sentindo, os problemas já não eram tão confusos assim; o tempo foi capaz de cavar a sua própria cova. Sentia-me feliz novamente, arrisquei até algumas poesias ao seu conselho, e ele dizia adorar. Mentiroso. Certo dia ele não apareceu para nosso encontro diário, no seguinte, no seguinte e no seguinte também. Soube por outros que ele quase morreu e que estava internado em uma clínica para alcoólatras. Logo que saiu ele me ligou e marcamos de fazer algo, fomos para o mesmo bar e passamos a tomar coca-cola, não era tão legal como antes, mas mesmo assim me senti feliz, não por mim, mas por estar retribuindo indiretamente a ajuda que ele tanto me deu.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Exibição do quadro da dama

Eu tentei parar a chuva para não transbordar a imensidão do mar em nós. O que você ouviu sobre isso? O que você pensou sobre isso? Sei que você chorou e tantas lágrimas não mudaram as coisas, o carrossel continua tocando a música alta em nossos ouvidos. Quando te beijei, beijei sem ter motivo algum, beijei por sentir as poesias que escrevo, por sentir as gavetas postas em seu lugar novamente. Mas nada disso se parece com um raio, nada disso levanta suposições, nada disso é destruidor o bastante. Rabisquei as horas e um tanto de pele que me sobrava e nem o contato mais essencial te trouxe os meus sonetos. Você sabe o quanto não me prendo as regras, as grafias; tudo deveria ser livre como naquilo que sei fazer de melhor, porém nem o meu melhor é o suficiente para encher a puta dos seus olhos. Como estou enfraquecendo não sinto muito isso, você é tudo o que me faz acreditar e amo poder acreditar. Creio nisso tudo e em um tanto de idiomas que se diz na alma, esse tipo de coisa que você não se interessa nenhum pouco.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Lamento

Memórias de um homem esquecido

- “E se todos os olhos se fechassem na brisa gelada e apenas eu pudesse enxergar”? – “O que enxergaria primeiro”? Na verdade queria saber o tão cego sou agora e quanto não sou capaz de enxergar certas coisas. Um dia me defini como um sujeito atroz, e isso é a mesma coisa do que pisar sobre o fogo esperando que ele se fundisse a mim sem me queimar. Certas características não são propriamente verdades e tão pouco mentiras; é como viver no ar dependurado sobre as nuvens esperando ser empurrado. Há algum tempo atrás fervia idealizações e tantas coisas assim me fazia feliz ou apenas ausente da tristeza. Por muito deixei de sonhar e por tão pouco deixei os detalhes escaparem por entre meus dedos. Hoje vivo a plenitude de qualquer realidade, a que eu quiser pra mim ou a que quiser inventar. E isso é excelente, isso me traz maturidade, me traz experiência e um tanto de aventuras, um tanto de loucura, de insanidade e de atrocidade. Minha pergunta é: - “Quando tudo isso não tiver mais valor o que eu pretendo olhar”? Não tenho aqueles tipos de preocupações casuais de encontrar o amor da minha vida e de ser feliz para sempre. Sou o tipo de pessoa que se apaixona todos os dias e que prefere morrer a viver restritamente uma ânsia coletiva. Se uma pessoa ainda falasse comigo diria que geminiano é um pé no saco. Está aí uma coisa que sinto saudade de ouvir. Às vezes tenho vontade de sair e encher a cara de conhaque, uísque e cerveja, como se já não fizesse isso, e me casar com uma prostituta qualquer. Iria apresentá-la a todos os meus amigos e ainda a levaria na festa de final de ano na casa do meu chefe. Quando me perguntassem como nos conhecemos diria: - “Não me lembro”, - e caso uma dessas pessoas a conhecessem da noite e viesse me dar um “toque”. – “Cara, como você se casa com uma puta dessas”? Eu responderia que havia me casado exatamente por isso. Nunca tive essa distinção ou esse pensamento de saber separar detalhes, de priorizar parênteses de aspas. Eu não morreria por amor, mas seria capaz de matar pra cultivar meu jardim de serenidade.

Carlos Posada - Lamento

               

domingo, 10 de outubro de 2010

Cores de Almodóvar

Memórias de um homem esquecido

Sobre a mesa tudo o que sobrou foi apenas uma flor artificial e resquícios de pó branco. Cobertores e travesseiros espalhados completam minhas nuvens pretas. Latas de cerveja, sobras de comida, formigas lavando seus pés no açúcar, e um esquadrão de "Gregórios" saindo pelo ralo do banheiro saboreiam a luz entrante do basculante. Eu levanto, cansado de não fazer nada, sem camisa, apenas trajando uma calça xadrez vermelha e preta e me sento no sofá, acendo um cigarro e vejo a mulher sem nome de ontem vestindo-se apressadamente diante dos meus olhos saindo porta a fora. Pra ela faço uma cara de deboche e tento imaginar o que fiz na noite de ontem. Minha barriga ronca, pelo jeito ontem não comi nada a não ser... Enfim, isso só alimenta meu âmago. Na geladeira meia dúzia de frutas podres e um leite mais azedo que limão verde. Evidentemente estava numa ressaca daquelas e esse cheiro de leite azedo quase me fez vomitar. Os dias parecem ter perdido suas cores, nuvens negras estaladas num céu de mercúrio e um tanto de esquizofrenia instalada no ar. Meus pés pareciam mortos em meio a cacos de vidros e meus ouvidos poluídos pelas notas algébricas de um dia tão triste quanto chuvoso.  Às vezes tento encontrar razões pra justificar quais os motivos que me levam a ser assim tão leviano com tudo.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Onde o rio flui

Todo o gosto que poderia sentir encontrei entre aquelas pernas, uma adesão de conhecimento, de estranheza e de uma benevolência experimental. Nada parece fazer sentido quando o sentido está a sua frente mexendo sua franja e te olhando com a meiguice dos bêbados. Nada parece ser forte o suficiente para separar a magnitude do que estava acontecendo; nem chuva, nem relâmpagos e nem ao menos a sua provável amante.  Eu tinha na cabeça a sua imagem a vida toda e toda a vida parece ser curta quando estou sentado ao seu lado na mesa de um bar da Lapa aos raios do amanhecer. Entre os muros apertados, entre caminhos rearranjados com mármores do céu das calçadas e com o forte cheiro de amônia proveniente de uma noite regida a fermentação, eu poderia facilmente gritar que me sentia seguro o suficiente pra morrer, ainda mais quando tudo o que mais desejava caminhava no mesmo sentido do meu sangue.

domingo, 19 de setembro de 2010

Conto - Dançando valsa nos salões do céu

Os santos jazem com seus braços erguidos na incumbência da prece, as janelas continuam abertas, as plantas continuam mortas no canto abandonado. A televisão ligada foca sua imagem enquanto assimilo o seu ruído de interferência. E eu venho andando, andando... Saindo pela porta a luz se torna negra, funda, e o que me sobra é uma turbidez enquanto desço degrau a degrau a escada. A bicicleta da rua passa, os pássaros tentam cantar, os carros caminham seguindo a turbulência das suas cores que correm apressadas como um tiro: - “Balas de revólver deviam ser coloridas”. O céu grita que vem chuva e a paisagem com nuvens pretas assustam as poeiras. E eu venho andando, andando... Uma voz não me chama a atenção, duas vozes conversam, porém nem a curiosidade é capaz de me fazer parar. O trajeto é o mesmo do atropelado da semana passada, trilhas e trilhas de sangue levam ao final, ao início. As fumaças são gloriosas e eu as respiro, as devoro, puxando pelas minhas guelras abaixo uma característica da natureza que me faz querer ser esse complemento dançando no ar. Na praça, o gramado é verde e as flores amarelas são as mais bonitas pra se compartilhar num sonho. O mar está a minha frente e na areia branca escrevo meu nome: “Nunca tinha feito isso”. Tiro a roupa, fico nu, e contemplo a água gelada tatear meu corpo enquanto o sal penetra minha pele. É pouco tempo, e quero nadar, nadar... Meus amigos estão no bar tomando cerveja e a afeição de felicidade também não se completa. Queria pedir-lhes perdão pelo abandono, por não saber usar o telefone de vez em quando. Tenho tão pouco tempo... Não quero ir embora daqui. Onde estive esse tempo todo que não reparei...

St. Vincent - Marrow

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

...

Postulei versos calmos sobre água benta e conhaque, e sem querer me vi inundado dentro desse lago de contradições. Às vezes era condecorado com estrelas ofuscantes, noutra suicida de um colapso intermitente de espaços vazios. Quando me imaginei perdido dentro daquela quimera desperdiçada com caprichos e inércia, rotulei minha atitude de leviana.  Encostei minha cabeça nesse travesseiro de plumas e me descobri outro homem devido à consciência das reflexões. E assim levantei de manhã, animado por não ter recaído, feliz por não poder mais usá-la... Pego a mesma van e percebo que a cada quilometro que atravesso da minha casa até lá, um sentimento, um pressentimento de que o ontem pode ser hoje desaba sobre mim.

sábado, 4 de setembro de 2010

Dentro de qualquer espelho

Conheço pessoas importantes, e elas não parecem tão importantes assim quando as conheço, isso ocorre depois de algum tempo. Uma vez, surpreendi-me ao conhecê-la, e sem dar seu merecido valor acabei ignorando seu sorriso. Erro que certamente não cometi na segunda vez que a conheci: -"E o que teria ela demais"? Permaneci anestesiado dentro dessa pergunta por algumas semanas, e acabei descobrindo que pra perguntas sem respostas o tempo não interfere nada na minha vida, nem para acalmar-me. Não sei como certas coisas brotam dentro de mim, não sei como elas florescem, criam galhos; porém, de alguma forma aquilo não poderia acontecer, não comigo, deveria então podar alguns de seus pedaços amorenados sobressaídos de mim. Vê-la todos os dias tornou-me, deixe-me ver, um tanto quanto paranóico, um tanto quanto diferente de mim mesmo dentro de outros dias, a qual jurei, que me reconheceria diante de qualquer espelho. Algo havia mudado em mim, não era mais eu mesmo, era apenas mais humano e mais previsível do que a grande maioria dos desconhecidos.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Magnólia

Eu queria ter formas, criar algumas delas, pra poder digitar aquele sorriso. Não sei exatamente de onde ele surgiu e como conseguiram inventar tamanha imensidão. Têm um espaço vazio, e me parece, de alguma forma, ele ter me completado. De repente descobri que queria aquele sorriso pra mim, acordar e dormir observando-o. Queria sentir nos dias transcorridos de suor sua reprovação, sua felicidade, sua tristeza, sua mágoa; o encontro dos nossos dois sorrisos únicos. Sinto-me mais preenchido quando posso admirá-lo, quando o tempo nos aproxima e posso fazer dela inteira uma grande gargalhada. Sua energia transpira e com seus sais quero fazer da minha água negra um mar, um banho de gostar, molhando nossos conceitos quebrados. Eu te quero penetrando meus poros, refocilando minha pele, fazendo-me ser presencial, obsoleto e intermitentemente uma variação daquilo que mais amo.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Certa vez

Certa vez, esperei que me salvassem... Eu sabia que essa probabilidade era remota, mesmo assim arrisquei me expor na rua com uma cartolina gigante escrito “salvem-me”. Igualmente a Aimee Mann, não queria pertencer ao grupo dos esquisitos. Porém, enquanto esperava, surgiu uma voz que me dizia: “Cara, esse é seu grupo, esse é o seu carma”. A verdade é que queria ser notado pela minha excentricidade, pelo meu modo vagaroso de andar, e por saber notar nos sorrisos secretos das pessoas. Aos poucos vamos deixando de ser analfabetos, vamos corrigindo nossos próprios erros, e logo, assim que possível, vamos tornando-nos poetas. Queria ser poeta o tempo todo, fazer poesia igualmente ao meu coração. Quando penso no que posso ser, sempre olho para o chão e, sinto vergonha em dizer que só posso ser isso. Queria que me lessem nas entrelinhas, de forma bilíngüe, que entendessem quais são as coisas que quero dizer quando entrego minhas poesias. Porém, essa é a forma que gozo, que me divirto, muitas vezes, por não ser entendido. Não que seja algo proposital, não penso muito nisso tudo, lembro-me disso, quando me perguntam o que quis dizer com tais adjetivos. E eu respondo-lhe, diretamente: ”Isso é só uma preparação para quando te entregar o eu poeta”.




Save me - Aimee Mann

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Conto – Versões plastificadas de uma célula.

Algo que escrevi e não recordava

Todos nascem iguais, isso independe de classe social, religião ou credo. Não importa se é homem ou mulher, somos iguais. Uns nascem em uma relação sexual pelos frutos da paixão, com o incomensurável desejo sustentado pelo laço mais forte, o laço do amor. Outros como eu, nascem de uma relação sustentada pelo nunca mais, como à tormenta do mais revoltoso mar, como se eu fosse um movimento inciso, uma moradia errada para todo o mal.
Eu nunca fui muito bom em biologia, e nem sei por que se estudar tantas células, se a verdade independe delas, e também não sei qual motivo de se citar células e verdades nesse relato, mas de alguma forma procuro respostas entre os vãos da incompreensão de tais fatos.
Quando cheguei a esse mundo, a convicção de que nasci da mesma forma que todas as crianças se fez mais do que evidente pra quem quer que fosse. Todos nascem pelo primor da igualdade, todos nós nascemos pelados, sem dentes e chorando. O que nos diferencia uns dos outros é quando crescemos e nos tornamos uma vida independente, ou seja, viramos a real compreensão dos nossos atos; onde a árvore de uma má criação ganha galhos e revelando-se negra na inclemência do mundo.
Quem foi meu pai? Eu não sei o que posso inventar para deduzi-lo. Não faço a mínima idéia de quem ele tenha sido, mas provavelmente um amante de boteco, sujo e sem escrúpulos. Minha mãe foi uma prostituta, que se encurvava por qualquer mísero tostão, não por necessidade e sim por ser uma delicada apreciadora do sexo.
Talvez cada um tenha o futuro que mereça ter, o meu foi feito pela falta de amor, a ternura esquecida naquele verso estranho da mais estranha poesia. Isso foi arrecadando maus sentimentos em mim, foi me juntando traumas e mais traumas, era o desejo da morte no júbilo da vida.
Tornei-me um homem frio, sem coração, calculista e desconfiado. O mundo pra mim era feito de plástico, a cor cinza com o rancor da vida tornou-se meu estilo de vida. Isso não é sentido figurado nem nada, eu via o mundo em distorções de polietileno e polipropileno. Árvores secas a massacrar a vida de um homem sem motivo pra viver. Mulheres de plástico pra me julgar covarde, era a vida atrás de uma pergunta qualquer, um mísero sentido apagado de luz, o fervor inexistente de um coração que não irradia sangue e sim óleo diesel.
Ludibriar mulheres com juras de amor inexistente, histórias e proezas que eu supostamente tinha passado pelo mundo. Eu era o grande charlatão. Não tinha moradia fixa, subia na minha motocicleta e ia de cidade em cidade, espalhando aos sete ventos minhas ardilosas e plastificadas versões de mim mesmo.
Eu era um freqüentador assíduo de bordéis, era a versão ainda mais nojenta e ordinária que meu pai. Talvez por ter nascido dentro de uma casa de prostituição, me fazia sempre o melhor, o mais esperto, o complemento irregular das verdades supostas. Vivia sempre rodeado por mulheres, sabia compreender suas cabeças, sabia como afeta-las. As palavras eram minhas “piores” armas, o complemento de muitas delas... As benditas frases.
Minha fama foi se propagando. Muitas mulheres por onde passava suicidavam-se, o amor exagerado que as fazia sentir era um balé de passos tristes conduzido pela dependência da minha partida. Mesmo não tendo nada haver com suas mortes, porém era perseguido pela polícia como um inimigo da sociedade cristã, um inimigo público. Procura-se “O colecionador de almas”.
Tornei-me um tipo de Don Juan, um monstro que vaga sugando e colecionando todas as almas em um vidrinho. Nos jornais saiam muitas histórias, como verdadeiras sagas ao meu respeito, o que proporcionava fantasia nas cabeças de todos. Muitos afirmavam convictos que havia feito um pacto com o Diabo, outros afirmavam que eu era o próprio.
A verdade é que não sabia o que estava fazendo, talvez nem seja esse psicopata todo que estejam noticiando. Apenas preciso procurar a parte do quebra-cabeça, o pedaço que seja primordial para acender a fagulha de uma nova emoção. Eu preciso sair dessa sombra, quero... Mas sou fraco.
Um dia resolvi mudar, pois havia conhecido uma formosa mulher em um bordel, cuja alma não conseguia roubar. Ela tinha grandes e oblíquos olhos como os de Capitu, o que me deu uma verdadeira e diferente sensação de preenchimento.
O Don Juan do novo século havia se aposentado. A certeza fez-se o firmamento para o novo e existencial contorno de minha aura. Enfim entrelacei minha vida em outra, o que é uma forma quase irracional de contentamento. Só faltava-me conquistar a minha Capitu, para despojar a verdadeira essência de ser um novo ser.
No jornal havia saído à verdadeira face do colecionador de almas, um esboço perfeito do meu rosto. Seria o fim? Por incrível que pareça aquilo foi algo que encantou a minha Capitu, ela finalmente mostrou o que o amor contido nela poderia ser em uma pessoa como eu. Subimos as escadas apavoradamente loucos para desfrutar os prazeres recíprocos do amor, uma inflamação voraz de paixão.
Foi-se horas e mais horas, era a noite que se deleitava com as verdades inacabadas de um suplemento quase mágico de uma vida passada. Era o fulgor, éramos uma simbiose... Somos resquícios de fuligem.
No dia seguinte eu descobri que realmente era um tipo de monstro, pois eu havia ido embora, deixado o lado esquerdo da cama, onde o frio se fez por horas quentes. Havia feito mais uma mulher se suicidar, mais uma alma... A melhor delas. A verdade é que nasci diferente, não foi meu pai e nem minha mãe que me tornaram assim, foram minhas células de plástico que se fizeram metástase em um todo.

sábado, 31 de julho de 2010

O futuro da esquerda

Sobre um mar de fúria, onde as promessas, antes engarrafadas, triunfavam o encontro; a certeza de uma existência perdida, ou pelo menos que existiu, deixou sua marca. Eu sou assim, um mar em fúria, e muitas vezes deparo-me com meus sentimentos à deriva em mim. É difícil de assimilar certas coisas, ainda mais quando isso navega pelas suas veias e triunfa sobre seu rio de sangue. Parece que têm algo se infiltrando, algo perdido em mim, alguma coisa que quer revelar-se, e eu sei exatamente como fazê-lo; porém prefiro deixar que isso queime em minha pele. No início, pensei em monitorar seus passos, sentir as marcas de suas sapatilhas, escorar-me sobre suas poesias, e isso talvez fosse um bom plano para enganar-me. Tudo vem de repente, feito um coice, levando-te ao chão, e essa é a sensação que mais gosto. Nunca pensei em voar, pra mim sempre foi esborrachar-se no chão; voar todos voam, mesmo que suas asas estejam podadas ou quando não estão esquecidas no armário. Quantas frases soltas encontrei, sobre voar, sobre nuvem, sobre anjos? Eu quero que você seja certeira, que atire em mim quando achar que for a hora; talvez esse seja o futuro do lado esquerdo: - "Levar um tiro".

sábado, 24 de julho de 2010

Esboços de um coração embriagado


Trecho de algo muito maior

Poderia ser uma noite comum como tantas outras em minha vida, porém aquele clima, aquele jeito torto que encaramos a vida, de certa forma, parece me trazer luz. Sinto-me bem olhando para esquerda, para a direita, um tanto quanto protegido e solto de certos pesos que carrego. A vontade era entregar-me num grande abraço, mas não era necessário, pois antes mesmo de pensar, eles já haviam se entregado a mim. E como é bom sentir-se assim, saber que não precisa fazer nada mais do que ser você para agradar. Os bares na Lapa morrem um a um, como se fossemos seguir um processo evolutivo: - "Nós eramos os assassinos da noite". Um gato passa beirando as janelas, e por alguns minutos ficamos olhando ele entrelaçando-se entre os fios de eletricidade. E olhando o gato notamos, como são bonitinhas aquelas casinhas antigas: " Porra, vamos morar numa dessas casas"? Sim, nós três temos o sonho de morar naqueles cafofos da Lapa. Isso antes de juntarmos dinheiro e irmos juntos para a França, tomar vinho na Praça Clichy, tudo na ilegalidade. Podendo ficar nós três, juntos novamente, dessa vez agora na terra dela, talvez à quatro, pois lhe pedi uma amiga francesa. Mais um bar aniquilado, e assim seguimos, para algum lugar que queira nos abrigar e nós o encontraremos, pois somos incansáveis, sempre o mais interessante do bares; ou seja, o mais sujo. Caminhamos entre a imensidão de lixo, de uma cidade que não quer parar, que não pode esquecer de que está viva um instante. Quase sós, escolhemos as ruas que nos parecem as menos perigosas, e assim seguimos o nosso trajeto beirando a embriaguez.

Dedicado a duas pessoas especiais


sábado, 10 de julho de 2010

Claves de sol

Eu pensei em várias formas, e as formas quando penso criam cores, e o céu tem uma infinidade dessas cores contraditórias. Tudo o que eu queria era sentir, sentir a necessidade de não sentir-me assim. Às vezes, do nada, sinto saudades. E essas saudades são torturantes, são sentimentos quase apagados dentro de mim que voltam a berrar suas claves de sol empenadas. E por onde andaria ela? Senti tão vividamente o corte dentro de mim, aquela nota quase inatingível alcançando-me... Eram seus beijos úmidos, sua língua, sua linguagem; eram seus gemidos ao pé do meu ouvido, eram suas coxas presas entre mim e a parede. Adorava quando ela vinha até mim, e sussurrava: "Amor". Seus abraços comigo eram sempre intensos, e entregues - passei a gostar mais de abraços com ela - vi no abraço, a representação de uma saudade presente, e isso prossegue, hoje, sem esse abraço. Por onde andaria, tal pessoa? Talvez seja o maior dos beijos, o mais concentrado, o com mais sabores... Às vezes, caio em mim, e esse é o maior peso que poderia sentir; nosso movimento uniformemente variado, nosso tempo de queda. Dessa forma imagino o seu retorno, pingando, sangrando sobre mim seu peso, sua forma mais pura.

sábado, 3 de julho de 2010

Chiaroscuro

Enquanto escrevo, está anoitecendo e certamente as pessoas já estão a caminho de casa. Outras tão certeiramente, devem passar como fantasmas em minha mente, porém faço um distúrbio na frequência das ondas tentando não imagina-las; e fico decepcionado por saber que elas passaram dentro de mim e nada pude fazer. Prefiro andar e não me importo em saber que dentro de outras veias estou, prefiro passar naquela passarela à noite, onde certamente outras pessoas sentiriam medo de serem assaltadas. E eu não sinto, no máximo sinto o medo de ter que sentir medo daquilo e não reparar que os carros ali em baixo estão soltando luzes turvas, feito vagalumes presos no mesmo sopro de ar, seguindo a trajetória imposta por seus firmamentos, pelo sentimento de que algo importante o aguarda entrar na estação. Então penso: - Estamos de passagem - e assim fico corroendo-me por ser um passageiro também. Muitas vezes, nada surge-me à cabeça, a não ser fumaça, esse é o momento mais lúdico que poderia ter, pois é nesse instante que cuido de mim, que querendo ou não, planejo meus próximos passos. Se tudo fosse uma questão de ter que andar, seria um esquizofrenico proposital, andaria tanto, tanto que feriria meus pés em meio a arames farpados. Lembro-me de que não devo ter medo, mas a verdade que não totalmente se é uma questão de sentir-se na pele e sim uma questão de ser cortado, o que arbitrariamente não deveria ser uma questão coloquial e sim uma questão assumida quando assim ocorresse: "Quer dizer que sou um passageiro"? Então, deixe-me comprar meus bilhetes pra não sei onde.

domingo, 27 de junho de 2010

Gosto de Guarda-chuva

As paredes vão diminuindo enquanto o lodo parece ser a única coisa preocupada comigo. Reconfortante é se esmagar pelas estradas móveis da sua própria percepção de desespero, e se escorar nelas, e ralar sua pele devido à confusão, à agitação, ao pensamento de incapacidade remota. Seria eu mais um inconstante? Acho que a mente me condena, extrai de mim minhas capacidades produtoras, meu alterego de nada, de uma vazia superioridade. Nada passa absolutamente, algo sempre fermenta, se diz alcoólico, denomina-se expansivo e na verdade retrai-se nas horas de desespero, tem medo daquilo que congestiona artérias, que povoa com algodão as partes que estão faltando. Enquanto isso, acende-se cigarros um após outro esperando não ser visto, não ser flagrado, pois se for encontrado será criticado pela inércia, pela má vontade ou simplesmente por ser assim mesmo: "Relaxado". O vento toca meu rosto e assim sinto a sensação da liberdade, meus pêlos tornam-se quimeras e a cada mistério descubro outras coisas para desvendar, e eu sempre tive o sonho de desvendar o horizonte, porém ele é tão distante, tão corrompido de falsas possibilidades que o chão parece-me mais seguro para se machucar. Queria apenas sentir saudades, porém sempre quero algo mais e mais. Acaba que nada disso posso ter, pois a saudade me condenou em outras estações e sobre o "algo a mais" nunca soube qual era seu verdadeiro significado, talvez não devesse me preocupar com suas soletrações, devesse escreve-lo de trás pra frente, escreve-lo errado, pois assim que me sinto na maioria das vezes.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Macelas amarelas

Meu dia se faz diante de uma janela quase sempre empoeirada. Olho o mundo de fora sabendo que estou do lado de fora também e isso me remete no pensamento de quantas pessoas existem nas ruas, umas seguindo o mesmo caminho que eu, e as outras procurando suas próprias nuvens: “Quantas linhas se cruzando em bases de concreto”. Eu vejo o Cristo da mesma forma que vejo aquela pobre alma de rua vagando, enrolada a um cobertor, à procura de algo que sacie seu vício. Depois de algum tempo você se torna absolutamente cego pra esse tipo de coisa, talvez seja a normalidade não tão natural assim do nosso cotidiano. O dia estava feio de manhã cedo, tempo chuvoso, mas nada mais acentuado quanto o cinza dentro de mim; acho que quando os raios de sol tocam a pele essas coisas vão embora, evaporam-se em forma de suor. Definitivamente não queria mais olhar o Cristo.
Às vezes, penso nela e nas suas macelas amarelas, e isso faz o tempo passar mais rápido, faz-me esquecer do círculo de gotas de veneno que caem das minhas nuvens particulares, e acaba que não vejo as horas correrem. Pensamentos também tem pernas e os meus correm atrás dela, mas ela parece querer fugir... talvez sua mente tenha afundado, naufragado, tenha se tornado tão surda quanto uma pedra debaixo d'água. Eu grito seu nome e ela não me ouve mais. Seu pensamento se ligou a algo mais próximo, numa conexão mais perto do seu peito. E isso faz chover, o dia não é tão belo assim, sinto a cada dia um pedacinho de mim saindo de dentro dela; sou farelo e meus pedaços não podem ser encaixados, pois eles se desfazem com a água. Queria eu ver por onde seus pés passam, por quais estradas de terra se encontram suas pegadas, pois o meu desejo é deixar o meu desenho nessa terra molhada. 

quarta-feira, 16 de junho de 2010

As pessoas não podem ser assim

Às vezes tenho vontade de abandonar tudo, tenho mesmo. Não me importa o quanto valioso seja ou o quanto hei de me arrepender, abandono e pronto!  Acho que dessa vez enfiei-me num lugar bem diferente, bem canibal; acho até que estou num mato cheio de onças de jaleco, lendo seus livros prediletos: Lehninger... Não, pessoas não podem ser assim. Eu fico olhando as onças que do nada falam alemão: “Den Mund halten”, eu penso. Nossa, pessoas não podem ser assim. Eu sou doente? Acho que sim, mas tem gente mais louca do que eu nesse mundo. E como tem...! Eu tenho, mas não quero ler o Lehninger.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Perpétua

Tem pólvora nas cortinas e sêmen escorrendo pelas paredes. O corpo entrega-se, perpetua-se na correnteza de lábios, é o instinto, o canibalismo excêntrico, a profundeza de um poço com lodo em suas bordas... Eu gosto de escorregar, de patinar sobre o gelo fino, de rolar sobre aquelas folhas caídas que um dia você irá me mostrar. O sabor da língua desconhecida ao som das cervejas e o cruzar dos braços sobre o pescoço é bom, porém falso. E isso nos magoa não é? São corpos que tento te encontrar, são bocas que tento encontrar o seu encaixe perfeito; são nossos fracassos constantes, e isso é demais pra nós dois, serve apenas para nos afirmar cada vez mais e mais. E pra que? Quero a sua particularidade, como creio que você também queira a minha... Sua imagem moldada com esquadros em minha cabeça é o que anda me satisfazendo, acariciando o que um dia foi tão arredio e machista. A sensação do dia do toque, do estalar dos seus lábios se faz intenso em mim, o assobio das suas palavras reais, o seu canto sulista, suas reverberações e seu espirro freqüente. Quero isso pra mim! O vazio não nos cabe, não fala a nossa língua, queremos mesmo é ir à procura do encontro, atravessar estados, entender sotaques e poesias pingadas no nosso próprio chão... E nesse chão é onde eu quero me despir, ficar variavelmente nu de certos conceitos e práticas. Entrega. Talvez a palavra seja essa, seja límpida como a cachoeira que percorre por entre as quimeras das suas imperfeições, é onde quero fazer minhas acrobacias, dar meu melhor mergulho e ir tão fundo em ti que meu afogamento contextualiza-nos. E isso não é acidental, é previsto, é revisando, não é homicídio, e sim o suicídio construído com pedras talhadas, com cristais romboédricos; no âmago, no cerne das conjunturas da sua visão enviesada por uma janela qualquer... E isso perpetua em nós... O encontro.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Alvará de soltura

Dentro do ar existem vozes, voando, vagando notas desconhecidas. Talvez nem sejam tão desconhecidas assim, apenas esquecidas tamanha à vontade por uma única. Todas as outras soam baixas e imperceptíveis pra mim, e isso não é auto-suficiência, pois pra isso eu deveria ser sozinho e isso não sou. Tenho o zumbido que caminha ao meu lado configurando suas canções antropofágicas, e isso me faz esquecer do mundo e o mundo não é nada se não existe tais corpos-cancionais... Essas são as cordas que quero pestanejar, fazer o acorde saudoso da gaita e dos abraços no luzir da lua cheia. E essa canção me salva da selvageria, me salva da correria de uma cidade tão grande como meu umbigo. Escutar tal voz me faz querer dar passos um após outro, e assim me fazer correr tão decidido ao seu encontro.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Sangrando

Eu antes sentia dor por não saber qual o seu significado. Sentia dor por não ter mais a fé cega de uma criança. Sentia dor por não acreditar e eu amo acreditar. Sentia dor por não saber dar um abraço apertado. Sentia dor por não saber projetar os versos que eu plantei. Sentia dor por descobrir que o céu havia morrido e que estava sangrando. Sentia dor por achar que a terra camufla centenas de verdades. Sentia dor por descobrir que havia perdido minha dor e ainda não me acostumei com a sua ausência. Sinto dor por saber que de todas as minhas dores tenho uma preferida...

Saudade ferve em nós quando ensaiamos algo em movimento.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Aroma de café e pele lilás

Por favor, não morra...! Traga consigo a lenha, e o veneno para alimentarmos as cobras. Dê valor a areia, deixe-a cair, deixe-a fazer o nosso alimento, pois da sua queda tiramos o aprendizado do infinito e a permanência da nossa reinvenção constante. Eu sinto você e sua presença ática deslizando pela minha pele; e às vezes sinto a sua pétala escorar, sangrar sua essência desconhecida sobre o oxigênio mesquinho que eu respiro. Quero me embriagar pelas margens do seu rio santo, beber o vinho que seu corpo produz, e dançar além das árvores estateladas a nossa versão mística do encontro, da chuva e dos gozos. Por favor, não me deixe morrer, a nossa construção independe da distância, independe da razão de olhos distorcidos e incrédulos: “Vamos dançar”? Pois acho que encontrei minha companheira de dança.

terça-feira, 18 de maio de 2010

In somma

Vendo as suas fotos notei a sutileza da essência congelada, a receptividade da ternura do seu abraço inventado, e a doçura da sua fragrância inusitada descendo pelas minhas guelras. Seu sorriso é assim, me faz querer parar e ser tão imóvel quanto à fotografia: “Talvez pra vivermos o mesmo plano, a mesma realidade ou somente a espera daquilo que se faz voraz dentro de nós suturar”. Eu quero ser o cachecol que enrola o seu pescoço, o cheiro do xampu que circula pelos seus cabelos, quero ser a outra metade da fotografia que está faltando.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Lua

Eu plantei meia-dúzia de palavras em meu peito, vesti suas frases experimentadas no ardor e me senti acolhido ao ponto de não querer tirá-las mais. Eu lacei-a entre o céu estrelado e não há nada no mundo capaz de roubá-la de mim. Ah sim, minha Lua de pele clara, de um suntuoso sorriso e de olhos castanhos tão fundos que mal consigo encostar os meus pensamentos. Perto dela não vejo, não ouço, apenas exalo sua essência, seu início, meio e fim. Isso não deveria de forma alguma se chamar amor de tão irreconhecível, de tão desconhecido... Poderia se chamar universo, pois jamais o conhecerei por inteiro, poderia se chamar abismo, pois me atiro ao seu encontro.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

O dia em que faremos contato

Venha pra mim como uma bala, e acerte-me no peito enquanto eu estiver atravessando a Presidente Vargas... Finja que vai me matar, encene seu balé dentro de mim, e faça meu coração sangrar com seu salto alto. Posso sentir você oxidando meu corpo, abrindo meus poros tão fechados e fazendo parte do contexto, do roteiro que o livro descambou pra nós. Sinto o metal escaldando, e os vestígios de pólvora estourando meus fragmentos de músculos... E isso é calor... São as ondas me cobrindo da noite escura. Os baleados têm pressa, mesmo morrendo o pensamento permanece em sentido extático. Agora estou anestesiado; um torpor, uma vertigem que permanece tão fundo em mim que considero-me sua cápsula protetora... Venha pra mim como uma bala, e acerte-me no peito enquanto eu estiver atravessando a Presidente Vargas... Finja que vai me matar, finja apenas, por favor, estou confiando em você.

sábado, 8 de maio de 2010

Paz na solidão

A madrugada vive no tenor dos seus olhos, na vontade e no desejo da descoberta, do insaciável parágrafo do seu rosto. Nada posso pensar nessa semana sem ser ela, pois meu desejo é senti-la no calor do seu abraço de três braços. Eu quero nadar onde seu corpo habita, quero remar onde o desconhecido revela-se usando sua máscara de carnaval. Sua beleza é composta e, sabe bem ela que seu reflexo no espelho tem vida, e isso, de fato, é um pedaço que admira... Queria trocar o sol que me traz luz, pela neblina e o frio que se faz o seu ambiente, trocaria sem ao menos pensar, sem ao menos lembrar-me do que foi feito do meu passado. Sobre ela nada mais posso escrever, seria um abuso da minha parte, pois não conheço adjetivos para isso.

domingo, 2 de maio de 2010

Canto do Equador

Pra mim obscenidade é a guerra!

Corri meus olhos sobre aquela pequena mulher e pensei inúmeras formas de lhe dizer o que sentia. Queria fazer da sua pele meu cobertor de células de cetim, enxergar-lhe por dentro das suas calças de couro e sentir o tinir dos seus lábios estalando... Sim, como queria. Uma menina que aos poucos coloca esses pensamentos dentro da minha cabeça, não pode passar-se despercebida, ainda mais por olhos tão certos e maduros como os meus. Não posso imaginar ninguém mais do que ela para estar comigo, para dormir comigo: “pelo menos naquele instante momento”. Ela tem uma beleza distinta das muitas variedades que costumo encontrar, e não só por ter uma complexidade que se diz incompreendida, mas também pela forma aprazível do seu rosto e das suas coxas. Sinto no fundo da minha maldade, no poço sem fim da minha canalhice que ela quer algo comigo também, sem colocar pontos ou vírgulas. Eu vi dentro dos seus olhos lúbricos, o interesse e a vontade dela em me descobrir. Ficava admirando-me enquanto eu falava sobre Henry Miller; e notoriamente a necessidade que ela tinha em fazer-se um conto meu. Poderia facilmente escrever dez páginas apenas descrevendo-a, apenas beijando o seu pescoço. Sua bebida favorita era vodka, não que ela tenha me dito, mas por sempre voltar do bar com uma dose pendurada em seus braços. Bebia como um passarinho, bicando com elegância, embriagando-se de forma homeopática. Não devia ter muito mais do que dezoito anos, isso era certo, pois estava no início da sua faculdade de literatura. Entre uma bicada e outra em sua vodka, recitava pra mim trechos de “Romeo e Julieta” como não poderia ser diferente. Achei tudo formidável, pois sua voz nasceu para Shakespeare e para cantar-me aos ouvidos. Seus pés surpreendentemente começaram a roçar nas minhas pernas e ainda tão mais eram seus olhos compenetrados em mim, tudo parecia não ter mais importância para nós; o que era para ser acabou sendo ligado diretamente na fonte, e nossos carbonos estavam agora eclodidos, sem existir sequer palavra para descrever nosso composto orgânico desmantelado... Estávamos, de fato, em uma combustão. Segurei-lhe as mãos, mordi-lhe a orelha e sussurrei: “Vou ao banheiro, siga-me”. Sem deixá-la responder, levantei-me e segui meu caminho ao banheiro do bar. Alguns segundos depois; ouço quatro batidas fortes na porta. Destranquei o trinco e a abri para ver se era realmente quem eu estava pensando que fosse. Sim, era ela, e estava toda possuída de seus atributos femininos, com seus cabelos caindo sobre o rosto; deixando-a ainda mais irresistível e suntuosa em sua beleza incandescente. Ela empurrou-me de volta ao banheiro com uma das suas mãos em meu peito, seu olhar parecia sedento, e sôfrego de um desejo que iniciou-se entre as suas pernas. Sutilmente, ela fechou a porta com as costas e ficou parada fitando-me; seu corpo parecia gritar meu nome, como se fosse um engodo, como se quisesse descambar a lua até nós. Fui até seu encontro, segurei uma das suas pernas e enrolei-a em minha cintura, acariciei seu rosto mansamente enquanto fechava diante de mim os seus olhos: “Estava condenada, ao seu gosto, à sua entrega”. Nossos lábios como conseqüência foram suturados na presença de um beijo, foram encaixados no feitiço incompreensível que nos cercava. Minhas mãos percorriam a sua cintura, caminhavam pelas suas coxas sóbrias, e derretiam-se pela sua vulva de fina pele de flor. Levantei a blusa e toquei-lhe os seios, seus gemidos explodiam nos meus ouvidos, misturados a um ranger de dentes; e sua voz pedia-me mansamente para sugá-la, logo, de uma vez. Beijei seus mamilos róseos, passei minha língua entre as formosas curvas dos seus seios e segurei-a bem forte pelo cabelo enquanto ela se ajoelhava à minha frente. Desabotoou minha calça e tomou o meu pau em suas mãos puras, e com uma destreza, uma perícia que jamais eu havia sentido, colocou-o em torno de sua boca, em seus lábios, apenas para provocar-me, para depois, finalmente chupar-me até o talo. Ergui-a em cima da pia, retirei sua calça e toquei suas pernas nuas, alisei-a em meio a alguns apertões enquanto ela transava-se em torno de mim; apertava-me como se não quisesse mais deixar-me fugir. Ela esprimia meu rosto sobre os seus seios e sem fazer sequer força, com a naturalidade dos amantes, penetrei-a tão vividamente que senti a quentura do seu interior mais profundo; aveludado e acolhedor é seu intimo, afetuoso e justo, como certamente havia imaginado. Meu corpo oscilava no encontro do seu. Nossos corpos ficaram unidos em meio a movimentos peristálticos tão elaborados e ensaiados. O meu amor próprio prevalecia-se daquele contato com a sua pele; e seus risos de prazer cantavam as notas presas dentro do seu útero. Nossos olhos fecharam-se, estávamos tão cegos como uma lâmpada queimada. Dentro de nós eclodiu o desejo de saciar-se, de gozar, de terminarmos o que havíamos prontamente começado, e que velozmente, no acelerar de nossos movimentos, se resumiria a vozes tão dissonantes e lânguidas; com o espasmo do seu corpo e a certeza da realização de um conto seu.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Ninguém

Ninguém ontem veio até mim
E tão só quanto eu
Sentou-se ao meu lado para conversar.

Porém ninguém ontem nada podia dizer.
Talvez, como eu, estava tão refocilado na lama,
Que sua voz sumira devido à tristeza tão lúbrica.

Ninguém se faz meu sósia.
Ambigüidade desesperada de olhos diáfanos e solitários,
Permanência tipicamente nua,
Porém vestida de verdades compridas

Ninguém se finge de morto
Sua voz transparente,
Em mim só vem a acrescentar
Uma nova versão líquida

Ninguém me consola
Por isso a amizade escancarada na testa
Eu não consolo ninguém
Por isso somos unha e carne

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Egonizando

Em mim tudo antes era festim! Jorrava em minhas veias tão finas o vinho para fervilhar e alimentar minha alma: “Um calor ausente de suas faculdades descritivas”. Tudo resumia-se há confetes e serpentinas. Hoje sou ocioso como um sapo a coaxar numa noite sem estrelas, e nada pretendo ser mais do que isso. Sobre o valor da sinceridade afirmo: “nada mais serei”! Tem algo que me puxa pelas pernas; algo tão repugnante que sequer tem a coragem de retirar a máscara do seu rosto. Eu estou exposto ao mar e tão instintivamente como qualquer um tento salvar-me da fúria turbulenta das ondas. Bato meus membros sobre a água, canso-me, e sinto a escassez das energias saindo, voando, pelos meus poros. No início acreditei piamente que conseguiria chegar a algum lugar, e consequentemente recobraria a consciência daquilo que antes me fazia sobrevivente. Porém, há muito tempo atrás, senão me engano, eu investi cegamente num princípio tão baixo de condenação... Eu havia, de fato, estrangulado a felicidade.

sábado, 24 de abril de 2010

Conjecturas

À noite sento, olho ao redor, no meu eixo de quimeras e enganos ao vento, ao frio, ao relento. Não sou bem vindo, apenas observado com olhos e veias tão esticadas. O que faz de mim ruim e pecaminoso? Sim, posso imaginar... Minhas verdades tão subliminares, sem importância a olhos tão certos de si. Mentiras então, por que não? Seja como for, eu me desarmei há muito tempo. Se lhes disser a verdade serei vilão, se lhes disser mentiras serei expulso do meu próprio eixo, e se fizer o certo serei o herói mais triste do mundo. Tristeza não me parece o mais correto, o mais lúdico dos afazeres. Pois bem, matem-me da maneira mais cruel, talvez mereça mesmo ser cortado, fatiado; porém jamais engula-me, porque vão ter uma azia insuportável. Sei, e muito bem por sinal, que não sou o mais simples dos seres humanos e nem o mais fácil de se lidar sobre qualquer coisa. Infelizmente, tenho a resposta de tudo, mesmo que soe como uma grande idiotice. Como diz o Leandro pro Sérgio: Você quer porfiar com uma faca, logo, com um samurai. Dessa forma nada posso ser, se não isso, um cancro no coração de quem me ama!

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Manhã roubada

A sensação permanece
Como luz, como adorno
E, hoje tudo tão vívido
Que nada pretendo esquecer.

Seu corpo
Seu copo
Silenciosas águas perfurantes
A sensação de inacabado em mim se faz com fastio.

Queria eu ser reservatório
Queria ser fuligem
Ter fome de estômago,
Pois saciar-te-ia por completo.

Precipitação em seu leito fluvial
Verdade cortada...
O que serei pra você?
O que serei por você?

Bobo, dramático,
Falsidade largada,
Verdade engolida à ferro
Oceano vazio ou só fogo morto...?

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Falta-me Lua

Eu queria postar algo, porém não estou conseguindo. Nada me vem à cabeça, nada sequer passa do lado de fora. Falta-me lua. Falta-me muita lua mesmo. Eu até tenho escrito alguma coisa, mas não sinto muita vontade de postá-lo Pra falar a verdade, é um único texto que percorre pela minha cabeça há uns seis meses, uma seqüência de acontecimentos que vão se seguindo, que vão criando uma lógica pelo menos pra mim... Não que eu tenha medo de postar, pois ainda tenho tanta maluquice, tanta doideira, tanta sexualidade, tantas coisas que ainda não aconteceram pra relatar que ainda não me sinto pronto totalmente... Não que tudo que eu escreva seja verídico, pois não é. Hoje andei relendo tudo desde a primeira página, tem tantas coisas pra consertar, são tantas frases que quero mudar, tantas ideais que acabaram antes da hora. Fora a revisão que enche a porra do meu saco... Eu juro que não sei o que fazer realmente com essa montoeira de papel. Tem texto pra tudo quanto é lado; tem salvo no computador, tem escrito a mão no caderno do Mickey, tem escrito na parede do meu quarto, fora os pendurados no mural e os que eu escrevi no armário do meu quarto. Tem tanta coisa dentro de mim que eu necessito esvaziar... Digo que isso, nada mais é que minha súplica diária. Não que eu escreva bem, pois sei que não escrevo. E muito menos que o texto seja bom... Pois não é! Hoje eu juntei todo esse texto e vou levar para o Sérgio dar uma olhada, uma sugestão, uma crítica, um puxão de orelha. Ele que quis ler... tá fudido. Comprei até uma porra de um fichário. Amanhã vai ser um dia de muitas cervejas, e muita discussão.

“O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais; há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que eu nem mesma compreendo, pois estou longe de ser uma pessoa; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que não se sente bem onde está, que tem saudade… sei lá de quê”!

Florbela Espanca

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Corredor de Praças

O céu daquela noite era escuro, mas escuro do que normalmente estava habituado, um céu recém-nascido, carregado de uma beleza afoita para amanhecer. Enquanto o mundo dormia, certas reflexões feitas de acaso criam formas, como se estivessem preparando a sua irreal, mas compreensiva surpresa. O céu de nuvens espessas, ao mesmo tempo tão escuro se fazia revelador, bastou-me apenas erguer os meus olhos, que logo me vi obrigado a perguntar: onde eu estive esse tempo todo?
Sim, eu sou invejoso. Não ao ponto de desejar o mal a ninguém, longe disso. Mas sabe aqueles dias em que você sai, e senta no banco da praça e fica admirado em ver as criancinhas correndo pelo infinito gramado, sem nenhum tipo de preocupação, sem a cobrança de ter sempre algo muito mais do que revelador? - Queria eu ser assim. Uma criança. Um corredor de praças.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Alice

Para as mulheres

Alice é uma pessoa de idealizações, cheia delas. Mesmo sendo tão transparente, sua vida se resume a palavras... É um conjunto de palavras em formato itálico, mesmo tombando, mesmo caindo pra direita, seguram-se, equilibram-se, sem jamais cair. Ela nunca pensa em desistir de si, mesmo sendo assim, se vê culpada em todo tipo de situação, e se martiriza por isso. Carinho, amor, doce e arredio. Se manifesta dessa forma, é a junção dessas quatro palavras; assim em itálico, sempre tombando pra direita. Suas idealizações, seus sonhos, são basicamente iguais a de qualquer pessoa. No final das contas Alice é a descrição perfeita, é a própria personificação do sonho. Jamais cai, ela só não gosta de sempre ter que recomeçar. Mergulha de cabeça quando se interessa por algo, e se culpa quando as situações se diferem dos seus sonhos. Ela gosta do prático, do simples; mas adora complicar tudo. Coloca seus questionamentos, e seus pontos de vista em situações que não merecem tal complicação. Gosta é da intensidade e de viver tudo como se fosse o último dia. Adora ouvir, adora conversar, só não aceita as críticas alheias. Ama a música, vive sempre dentro de uma canção, vive permanentemente na freqüência de sua imaturidade, dentro do seu jeito de eterna menina.
No início de nossa relação, eu achei que ela se parecia muito comigo, mas acabei notando que nossos valores se diferem, não de uma forma prejudicial; longe disso. Mas vejo Alice em cores, cores essas muito fortes e muito intensas. Quando sinto seu cheiro, penso que estou em um jardim, com flores amarelas, vermelhas e roxas. Vejo abelhas, em seus banhos de néctar, sinto as folhas das árvores com sua leveza caindo, caindo, caindo, mergulhando sem resistência sobre o meu abraço. Alice procura a felicidade como quem procura a própria vida. Perde seu tempo procurando, se perdendo dentro de suas idéias. Ela faz de si mesma uma moradia de tantos outros casos; morde e absorve os impactos, e consente, consente e se entrega com um sorriso. Sua armadilha é seduzir, seu sonho é permanecer, intacta, inviolável; até quando lhe for conveniente trocar a permanência por seu sinônimo.

domingo, 4 de abril de 2010

Conto – A Casa Pré-Fabricada

Com seu corpo estirado no chão: “chão esse que lhe parecia um tapete borbulhando de um fervor rubro”, nada lhe parecia distante, tão diferente das situações que lhe ocorrem ontem, ou anteontem, não se sabe ao certo... No seu tapete tudo se criava; suas idéias e reverberações de destaque e alegorias. Não sabia ele nada sobre a vida, mas ali no pseudo-tapete, era possível, bem possível que germinassem sementes, que brotassem árvores assim tão frutíferas. Esse era o seu espaço de dimensões restritas, de comprimento e largura que pra ele poderiam ser maiores do que qualquer teoria, do que qualquer outra medida. Sim, ele podia deleitar-se ali jogado, crucificado no mar de um tapete que parecia sua casa com paredes de vidro. Sentia-se feliz por ter seu espaço: “espaço esse infinito que não cabia mais ninguém”, só ele. Ali parecia seu lugar de silêncio, de maestria, onde as notas titubeavam para um sono profundo e eficaz. Muitas vezes procurou um sentido lógico, porém esse sempre inatingível, ininteligível percurso. Nada no mundo parece melhor do que aquele espaço, nenhum lugar é tão reconfortante e sossegado, ao seu entendimento, para estar-se morto.

quarta-feira, 31 de março de 2010

Conto – Canções Dentro da Noite Escura

Ela despiu-se, ficou inteiramente nua, sim, intensamente nua. Olhava-a com olhos de cão faminto, tentando, buscando quais as melhores respostas para me fazer entender a silhueta do seu corpo. Meu cigarro queima, queima e, a fumaça sobe assim distorcendo meus olhos, lacrimejando-os, fazendo com que eu não a veja ou que assim acreditasse. Mas enxergava, a enxergava bem, mesmo estando por trás das cortinas de fumaça, e de todo o clima que nos cercava. Eu queria crer, tentei por minutos entender seu corpo, sua voluptuosidade, e as idéias que ali pairavam esquecidas. Mas não, não existia nada que eu pudesse fazer, tudo tão distante de mim naquele momento, que preferi fazer os cálculos da sua beleza... Só somatórios. Ela caminhou em minha direção, caminhou não, gingou, bailou com suas pernas de bailarina. Ahhh sim, que belas pernas por sinal, carne macia as das suas coxas, carne assim de primeira, carne nobre. Eu permaneci assim sentado à beira da cama, tragando compulsivamente meu cigarro tão infinito, tão pecaminoso. Uísque, cadê o uísque? Sim, peguei-o, eu queria fazer o meu clima: “vamos esquecer o verão, pulemos diretamente para o outono”. Por que uísque barato e cigarro combinam tão bem com sexo? Não sei, não sei nem por que estou pensando nisso agora, e por que penso uma porrada de coisas assim do nada. Minha cuca pede socorro, eu peço alarme, peço alarde. Ela arrepiou meus cabelos com suas mãos, puxou-os com moléstia, com força, porém de forma carinhosa. Olhei-a bem nos olhos, fitei-a enquanto seu rosto aproximava-se, ela me beijou. Beijo bom, encaixado, ensaiado, apaziguado, fresco; nem tão molhado, nem tão seco, nem tão cheio, nem tão vazio. Perfeito, se é que isso existe. Ela tirou minha camisa, jogou-a em cima do ventilador e puxou-me de volta, de volta para o castigo que seu olhar oferecia. Empurrou-me, deixando-me de forma tão estirada na cama, de forma tão rendida. As mulheres são suficientes, querem sempre ir ao fundo de tudo, espremendo-nos, retirando o último caldo de nós. Pois bem, ela ficou por cima de mim prendendo-me no meio de suas pernas. Eu estava agora de coleiras. Toquei-lhe o seio com suas reverberações inexplicáveis com uma das mãos. Abri os braços sobre a cama, estava sendo crucificado, como um dia Cristo foi. Ela me beijou, passou sua língua sutilmente em meu rosto, e foi descendo, descendo pelo meu queixo, pescoço, peito e abdômen. Eu segurava-lhe pelos cabelos com força, quase que os arrancando, enquanto ela dedilhava suas notas sobre o meu pau. Com a minha outra mão levei o cigarro à boca, aspirava a fumaça enquanto a fazia transpirar. Eu olhava o teto enquanto ela divertia-se abrindo o fecho ecler da minha calça; olhava quase inerte, as estrelas de plástico ali coladas, estrelas de formas e tamanhos distintos que brilhavam, luziam no escuro. Tão escuro mesmo ficou quando amanheceu e eu tive que partir...

Um dia eu termino

terça-feira, 30 de março de 2010

A tão sonhada bicicleta

Eu permanecia assim: confuso, delirante, morto, vivo, estacionado, subversivo, eloqüente, incapaz, enclausurado, libertino, ultrapassado, transfigurado...! Enquanto definhava-me em adjetivos, Viviane começou acariciar o meu rosto, sossegando o meu espírito arredio. Ela tem esse poder sobre mim, de acalmar-me. Seus olhos líquidos são penetrantes, são confortantes... Fiquei olhando pra ela, diretamente nos seus olhos castanhos, olhava-a diretamente no berço da sua alma. Viviane é doce, é madura, e segura de si, é a mulher que eu procurava nos meus dias, nas minhas noites delirantes e febris. A mulher que eu sonhava na frente do espelho, a mulher que me fazia mais homem no sentido de reinventar-me cada vez melhor, cada vez mais sadio, cada vez com menos palavras. Beijei-lhe o rosto, como se deixasse um pedaço meu ali, como se me despedisse...

domingo, 28 de março de 2010

Verde limão

Sobre as minhas costas
Carrego o céu e um tanto do inferno.
Dentro das idéias perdidas, feito água escura,
Cometo suicídio sem ao menos me ver

Nos delírios que não sei admitir
Transformo-te em quimera.
Contraste de preto em fundo preto
De dois olhos se apagando

Espremo-te
Feito limão verde
Tiro o suco de ti, desviriginando-te
Como quem está morrendo pela seca

Então assim enveneno-me
Então assim morro...
Pela vontade própria
De um desejo que se quer impróprio

O corpo mole como uma boneca de pano
Desfalecendo-se dos miolos
Da mente,
E de um entulho de coisas que não sei explicar...

Sobre o mar
Sobre o mal
Sobre o sexo
E sobre mim

quinta-feira, 25 de março de 2010

Mais um "Hey"

Como eu não tinha nada pra fazer nessa madrugada, acabei revirando uns textos meus e encontrei isso... Foi um e-mail que mandei respondendo Maria Alice, uma amiga minha Virginiana Ferrenha. Achei engraçado e decidi posta-lo. Os erros dele achei melhor mantê-los, pois assim fica mais informal e mais pessoal.

Hey

Opa, o bom é que estamos mergulhados entre as nossas próprias “porras”. É tanta excitação que pra porra sair é só uma conseqüência dos nossos atos. Rs...

Eu estou bem, continuo a mesma merda molenga de sempre, talvez eu esteja tentando encontrar o meu espaço, porém cada vez mais eu acho que vivo numa parte diferente do mundo. Como se eu fosse ou visse algo que as pessoas não vêem ou não se importam o suficiente. Talvez eu enfatize muito o “Eu” e fico falando essas bobeiras todas... É como se eu fosse um planeta.

Pois é, Maria, eu sei como você se sente! Eu lembro que no início da nossa “relação” achava-mos que éramos quase iguais. Nossos pensamentos batiam muito, e talvez por isso, estamos juntos, preservados naquilo que chamamos de amizade. Eu te entendo, acho que você me entende também e isso talvez seja um ponto a nosso favor. Em questão a ligação, eu estou morrendo de saudades da sua voz, porém já não sei mais que horas você está em casa ou que horas te ligar... Isso acaba criando um empecilho, eu também não quero te incomodar como os meus blá, blá, blás... Você agora é uma mulher ocupada. Rs...

Fico feliz que você tenha a mesma sensação que eu quando leio seus e-mails. Olha, eu fui quarta-feira ao Rio fazer a matricula da pós-graduação. As aulas começarão em Abril caso abra uma turma; ou seja, que tenha um mínimo necessário de alunos, o que é uma grande merda! Já estou meio bolado com isso. Sempre as coisas pra mim são um grande dilema. Eu acho isso um saco!

Eu sou muito parecido com você nessa parada de chutar o balde, sempre quero fazer isso. Mas sei lá meu bem, insista nas coisas que o grande prêmio já está a sua espera, nada nessa vida é em vão. Tudo tem um motivo e um por que. Basta apenas procurarmos as perguntas certas, pra vivermos uma vida tentando achar uma droga de resposta. Frustrante!

Esse Rio de Janeiro é apavorante pra mim. Não em termos de violência, não em termos de transito, mas sim, onde é que eu vou me enfiar dessa vez... Tudo muito grande, muito tentador, muito acelerado nesse tal de Rio de janeiro. O engraçado é que todos vêem o Rio como a parada, como um meio de salvação, como meio de independência e, eu pelo contrário vejo o Rio como um local de condenação. Vou acabar me enfiando no breu dessa cidade!


Porra, você é foda, escreve pra caralho e fica assim toda melindrosa, toda achando que não escreve bem... Deveria como jornalista se enfiar nesse meio, quem sabe virar uma escritora. Acho que tem talento o suficiente para isso, basta apenas escrever o que transborda dentro de você, que as coisas saem naturalmente. Tem que perder esse medo e esse senso crítico particular. Bundona!

Se fosse um tempo atrás, eu poderia até achar que fosse pra mim isso que você escreveu, poderia até fantasiar algo inexistente, poderia até sentir uma pseudo-felicidade. Mas o tempo me fez desencanar a respeito disso, me fez desencanar pra uma porrada de coisas... Eu sempre achei que eu fantasiasse demais, porém algo, mas precisamente na terça-feira, fez cair esse meu conceito. Sérgio sempre lê as coisas que escrevo, ele está lendo agora o que eu escrevi, ele acha horrível, faz uma cara... Não sabe nem mentir aquele viado. Rs. Ele me diz que tenho que fantasiar mais, inventar coisas. Deve ser porque eu disse que estou escrevendo coisas reais, e não curto inventar coisas, ainda mais sobre mim.

Então chega dessa merda. Cansei

Beijos

terça-feira, 23 de março de 2010

Atire no geminiano

Outro dia eu vi um sorriso. Eu sempre adoro sorrisos. Fiquei imaginado o que há por dentro dele, e qual seria o seu segredo. Ah sim, adoro o sorriso de uma mulher. Andei um tempo sumido de mim, porém continuo sumido dos outros... Eu sou assim difícil de conquistar às vezes, difícil até mesmo quando sou conquistado. Como diz Sérgio: “Falta-te Lua”, falta-me mesmo. Talvez, precise ver mais um sorriso igual ao do outro dia que mencionei. Isso sim é conquistar, é ter vontade por algo distante. É curiosidade aguçada...

Escrevendo meus manuscritos intermináveis, saiu de mim a seguinte frase: “Pensar em mim é o que congestiona todo o resto”. Eu nunca estive tão certo sobre mim. Mas e aquele sorriso? O que faço com ele? Eu só sei o que ele fez comigo. Descongestionou-me: “mesmo que por um instante”. Tão lindo e tão distante. Não quero pensar no tão impossível, prefiro pensar no tão distante. É torturante saber que existe o seu sorriso, e que ele anda, que ele é capaz de respirar. Dilacerante é imaginar que um sorriso pode abraçar, pode beijar. Queria eu ganhar esses tons seus... Verde, azul, vermelho e amarelo, por que não?

segunda-feira, 22 de março de 2010

Vontade

Há um tempo atrás eu descobri que não tenho nome
Só tenho vontade...

Vontade dos seus olhos
Vontade do seu sorriso

Há um tempo atrás eu me descobri
No mesmo tempo que você reinventava-me
Cada vez com menos palavras
Cada vez com menos nome

Com o brilho repouso-me,
Com o breu durmo,
Pasmado...
Com os pés descalços sobre a terra seca

Sua aura,
Diante da altura dos planetas
Cintila...

A freqüência quebrada pela fragrância.
Uma aspiração mecanizada
Dentro de um sentido falso que achei...

O que faço com as perguntas sem respostas,
Enfio no bolso?
Pois pra mim você sabe ou deveria saber...
Que isso não é uma coisa qualquer.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Conseqüência da pele

Depois de ontem
Comecei a me sentir tão entre parênteses
Tão sublinhado no termo de minhas emoções
Que comecei a me sentir um mar

Tão aparentemente desesperado
Tão subliminarmente grifado,
Tão por assim dizer... Afogado

Ao sinal das árvores que ao sol irradiam
Como trovoadas e metáforas não escolhidas
Um torpor,
Uma vertigem e um sono

Se não há um sol nesse meio-dia
Existe um sol ainda não escolhido
De permanência irrefutável
De grandeza infinita...

Como conseqüência da pele

domingo, 14 de março de 2010

Se o inferno são os outros, eu já não sei mais o que sentir...

Sabe como é se sentir a cem quilômetros por hora? Pois assim que estava me sentindo, como se meu corpo estivesse acelerado enquanto todo o resto passava lento, vagaroso, com uma vontade de encostar-se em um sofá e dormir sem ao menos retirar os sapatos. O mundo estava com sono e eu alinhavado em um quesito de tensões de minhas células, de neurônios, de opiniões que não iriam levar-me a lugar nenhum, apenas afogar-me. Idéias que pairavam no ar, idéias desgovernadas que iam se perdendo devido à velocidade e a falta senso. Pensamentos que vagam, viajam não com o intuito de chegar a um ponto preciso, mas a tantos outros pontos; que devido à aceleração pode se considerar um ato de suicídio, não só da mente, mas também do subsidiário, do terceirizado e defectível corpo. Não sei quando começou ou quando vai começar a revolução. Só sei que dentro de mim existe uma guerra; não uma batalha com soldados, mas uma batalha feita de idealistas e seus ideais... Um combate de tuberculosos. Pois bem, morre dentro de mim milhares de poetas por dia. Dizem que assim se faz um homem, o que é uma grande mentira.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Linha do Equador - 1° parte

Dentro do ar apago as vozes como quem não quer encarar as notas. Dentro do gelo apago o frio como se isso não fosse muito importante. Mas a verdade é que caio e, se pudesse apagaria o tombo também. Não me recordo o que foi feito de mim, mas se pudesse o apagaria como quem apaga o próprio texto. Eu respiro porra, eu respiro... E me perco dentro dos emaranhados dos meus próprios laços, dentro dos labirintos da minha casa de sapê. Talvez seja recesso de espírito, falta de combatividade; mas pode também ser tempo, sim, tempo de espera, tempo de reabastecer.
Afogou-se a vontade, afogou-se o critério e eu contínuo aqui, queimando como uma tocha e meia de outros desejos. Sou o âmbar de luz e faísca que conserva dentro de si um tanto de outras estrofes, de tantos outros “causos”. E aquele sonho? Aquele mesmo que jurei que havia me matado? O vento? Sim, carregou-o para respirar outros ares, outros corpos. Nossos sonhos são impermeáveis, são líquidos imiscíveis de conflitos e de redenções esporádicas. Sopro forte, arrancou de mim, arrancou das minhas glândulas secas... Pra que forçar tanto a memória? Apagar, sim, por que não consigo apagar isso também...?
Mentiras e verdades recheadas de deletérios descem pelas minhas guelras, acotovelando-se, atirando-me de volta daquele precipício. Por que minhas verdades tem o mesmo peso das minhas mentiras? É dessa forma que congelo-me, apagando-me assim sucessivamente, paulatinamente... Não sei se existiu um ponto forte, mas o lado fraco certamente rompeu-se e eis que a espinha dorsal de tudo isso só poderia ser... Só poderia mesmo. Pensar em mim congestiona todo o resto e, o mundo atrasa enquanto mantenho-me firme dentro da primavera de um espelho partido. Eu me anulo cortando meus pulsos, eu esmiúço-me caracterizando um outro fato, uma outra sucessão.
Dos males “concerto-me” ajeitando a cabeça enquanto a reclusão de sentido vaga sobre a catarata que há em mim. Não há um corretivo, apenas uma verdade escamada, uma verdade preferida servindo como interlúdio, como fuligem a se desfazer com um sopro qualquer. Com os outros lados, vejo-me em quadrado: por que meus lados são tão iguais, tão perfeitinhos, tão simétricos...? Ah, sim, condenação quadrática de paredes umedecidas, de paredes surradas por tantos golpes repetitivos, tantos infortúnios, tantas quimeras... Tantas outras canções.
Meu abraço sussurra, enquanto meu beijo queima como flâmula. Eu suavizo porra, eu suavizo... Não da maneira correta, mas de forma autêntica, inviolável e questionável. O limite em mim foi demarcado com uma linha. Meu peito foi cortado, dividindo meus pontos ardorosos, mapeando-me assim como a geografia do desfalque das roupas, com a silhueta do imperfeito, do defectível; marcando-me com uma linha imaginária como na teoria da Linha do Equador. Por onde começar não imagino, mas eu sou o infinito e não tenho fim, minto, não vejo um final propriamente quando baseio em mim ou no que eu posso fazer. Dentro do limite sou ilimitado de erros, ilimitado de abandonos e de sucessivas coisas que partem de dentro para fora, de fora para dentro. Não sei como pode ou como explicar que não sou tão bondoso como julgam-me ser, porém existem coisas como calor latente e dentro dele pareço revelar-me, não para os outros, mas para mim mesmo.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

...

Do alto onde me encontro,
As estrelas se confundem com as luzes da cidade,
Tudo é sempre tão artificial,
Como meu coração...
Tudo o que foi deixado é o que eu escondo,
Como se eu fosse jovem.
Lamúrias guardadas,
Como versos bem escritos,
Meu desejo é atirar-me para poetizar-me em você.
Contemplo a solidão com o único intuito,
De ter mais tempo pra pensar em você,
Se eu bebo o vinho é pra poder rir,
E parar naquele instante, no relaxar do meu sorriso,
Contemplando-te em câmera lenta.
Ver que meu amor não é uma loucura,
É um sentimento guardado e economizado pela vida.
Pois não me deixe chorar em uma tarde de sábado,
Vamos recordar nossas emoções,
Nosso primeiro abraço,
Fazendo do amanhã um outro dia,
e que a nossa madrugada percorra um outro longo caminho.
Nós queimamos no chão,
Ardemos,
Não tenha medo,
Junte os cacos despedaçados,
E siga a próxima estrela,
que eu me aproximarei outras duas vezes...
Ainda mais atrasado.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

...

Eu fico leve, leve como uma pluma, e meu passo se torna mais firme, mais calmo, mais uniforme. Que bela noite! As estrelas brilhando tão luminosamente, tão serenamente, tão longinquamente. Não precisamente caçoando de mim, mas lembrando-me a futilidade de tudo. Quem é você, jovem, para estar falando da terra, de reduzir coisas a pedacinhos? Jovem, nós estamos aqui penduradas há milhões e bilhões de anos. Nós vimos tudo, todas as coisas, e ainda brilhamos pacificamente toda noite, iluminamos o caminho, serenamos o coração. Olhe ao seu redor, jovem, veja como tudo é quieto e bonito. Está vendo, mesmo o lixo caído na sarjeta parece bonito esta noite. Apanhe a pequena folha de couve, segure-a delicadamente em sua mão. Curvo-me e apanho a folha de couve caída na sarjeta. Parece-me absolutamente nova, um universo inteiro em si própria. Parto um pequeno pedaço e examino-o. Ainda um universo. Ainda indescritivelmente belo e misterioso. Tenho quase vergonha de jogá-la de novo na sarjeta. Abaixo-me e coloco-a delicadamente entre outros restos. Fico muito pensativo, muito, muito calmo. Amo todos no mundo. Sei que em um lugar qualquer neste momento há uma mulher esperando por mim e basta eu prosseguir muito calmamente, muito delicadamente, muito vagarosamente, para chegar até ela. Estará em pé em uma esquina talvez e quando eu chegar ao alcance de sua vista me reconhecerá – imediatamente. Creio nisso, portanto que Deus me ajude! Creio que tudo é justo e ordenado. Minha casa? Ora, é o mundo - o mundo inteiro! Em qualquer lugar eu estou em casa, só que antes não sabia disso. Mas agora sei. Não há mais linha fronteiriça. Nunca houve linha fronteiriça: eu é que a criei. Caminho vagarosa e beaticamente pelas ruas. As amadas ruas. Onde todos caminham e todos sofrem sem dar demonstração. Quando paro e me encosto em um poste para acender um cigarro até mesmo o poste parece amistoso. Não é uma coisa de ferro – é uma criação da mente humana, modelada de certa maneira, torcida e formada por mão humanas, soprada com sopro humano, colocada por mãos e pés humanos. Viro-me e esfrego a mão sobre a superfície de ferro. Parece quase falar-me. É um poste humano. É de casa, como a folha de couve, como as meias rasgadas, como o colchão, como a pia da cozinha. Tudo permanece de certa maneira em certo lugar, como nossa mente permanece em relação a Deus. O mundo, em sua substância visível e tangível, é um mapa do nosso amor. Não Deus, mas vida é amor. Amor, amor, amor. E no meio mais central de tudo caminha este jovem, eu mesmo, que não é outro senão Guilherme Canedo.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Joãozinho e Mariazinha

Quando teve consciência do que fazia, seus dedos já haviam apertado o botão do porteiro eletrônico. Não conhecia aquele prédio nem ninguém que morasse ali. Também não conhecia a rua e se acontecesse algo, como um policial perguntar o-que-fazia-ali-àquela-hora, não saberia responder. Sabia que era noite, que era domingo, e não estava sequer um pouco bêbado. Sabia também que não sentia nada especial, nem mesmo uma vaga vontade de aventura. Mas soube disso tudo muito tarde, pois seus dedos (uns dedos um tanto grossos e meio avermelhados que, vistos agora, pareciam estranhamente independentes) já haviam apertado o botão, e sua voz (uma voz também estranhamente independente, também grossa e como que avermelhada pelo frio) perguntava:
— A Maria está?
— É ela mesma — ouviu a voz feminina e sorridente saindo distorcida pelos orifícios do aparelho.
Foi só no elevador, apertando o botão do sétimo andar, que lhe ocorreu que não conhecia nenhuma Maria (conhecia muitas Marias, mas nenhuma em especial), que poderia não ter entrado, não ter aberto a porta do elevador, não ter apertado o botão. Mas novamente era muito tarde. O elevador subia, a fórmica amarela doendo um pouco nos olhos. Quando abriu a porta, uma réstia de luz no corredor orientou-o até o apartamento.
E, ainda então, poderia ter voltado. Da mesma forma que os dedos e a voz, agora eram suas pernas, independentes, carregando-o para a porta e para a mulher que o cumprimentava sorrindo:
— Boa noite — ele disse. E antes de poder conter-se: — Eu sou amigo do Paulo.
— Paulo? — (Mas ele também não conhecia nenhum Paulo, ou conhecia vários, como todo mundo, nenhum em especial.) — Claro, o Paulo.
E como vai ele?
A mulher se afastou para que entrasse. Havia um abajur aceso a um canto, um sofá de plástico avermelhado imitando couro, duas poltronas iguais, uma mesinha com cinzeiros e nenhum quadro nas paredes.

— Vai bem, vai muito bem. — A voz continuava dizendo coisas que ele não pretendia dizer. — Passou no exame, está muito contente. — Viu as cortinas um pouco encardidas e, além delas, o bloco de edifícios tapando a visão. Acrescentou: — Está até pensando em trocar o carro por um mais novo, deste ano.
— Que ótimo — a mulher sorriu novamente. — Não quer sentar?
Ele sentou numa das poltronas. O plástico frio. Agora controlava os gestos, cruzando as pernas devagar e olhando a mulher pela primeira vez.
Devia ter um pouco mais de trinta anos. Talvez seja uma espécie de puta de classe, pensou, acostumada a receber visitas a esta hora. Tirou com cuidado o maço de cigarros do bolso do casaco.
— Fuma?
Ela apanhou um cigarro. Ele remexeu nos bolsos à procura de fósforos. Não encontrou. Ela apanhou sorrindo (sorria muito) um enorme isqueiro de acrílico roxo transparente de cima da mesinha e acendeu os dois cigarros, primeiro o dele.

— Acho que é muito tarde — ele disse.
— Você tem horas?
— Não.
Ela tornou a sorrir, olhando os próprios pulsos.
— Eu também não. Faz uns cinco anos que deixei de usar.
Achava neurotizante demais, nunca conseguia ficar num lugar muito tempo, sempre querendo saber se era muito tarde.
Ele fez um movimento para a frente com o tronco, estendeu o braço para bater a cinza do cigarro. Ela se adiantou e empurrou o cinzeiro.
Depois sentou-se à frente dele.
— Agora peguei uma certa prática — continuou. — Esteja onde estiver, seja que hora for, sou sempre capaz de adivinhar. Quer ver?
Ele fez que sim com a cabeça, querendo achar divertido. Grave, ela fechou os olhos, fingindo concentração.
— Meia-noite e vinte.
— Pode ser — ele disse. — Não tem como confirmar?
— Só ligando o rádio.
Ele pensou que ela fosse levantar para apanhar o rádio (devia haver um, provavelmente de pilhas). Mas ela não se moveu.
— Eu tinha vontade de ter um daqueles rádios com relógio junto, você conhece?
Ele fez que não com a cabeça.
— É assim: você coloca o despertador para uma determinada hora e escolhe uma rádio. Aí, na hora que você escolheu, em vez de o despertador fazer trrrrrriiiiiimmmm!, o rádio liga automaticamente e começa a tocar música.
— Deve ser bom.
— É maravilhoso. Mas pode coincidir justamente com uma propaganda, aí não é tão bom assim. Mas acho que tem umas rádios que só tocam música, não é?
— Não sei. Nunca ouço rádio.
— Eu também não. Queria um desses — repetiu. — Mas é tão caro. Acho que é coisa importada. Japonesa, americana. Aqui não tem disso.
— Suspirou. — Bebe alguma coisa?
— O quê?
— Perguntei se você bebe alguma coisa.
— Pensei que você ainda estivesse falando do rádio.
— Não estou falando mais disso — ela tornou a sorrir, distraída.
— Agora estou falando de bebidas. Tenho conhaque, uísque e cachaça. Devia ter vinho, com esse frio. Você não acha que eu devia ter vinho?
— Não sei. Talvez.
— Pois é, mas não tenho. — De repente a voz soou meio seca.
— O que você prefere?
— Conhaque — ele disse. E ficou olhando enquanto ela se levantava para ir à cozinha. Tinha movimentos mansos, o cabelo escuro um pouco desalinhado, usava um vestido comprido, de uma fazenda que ele imaginou quente e macia. Olhou em volta, rápido, como se não quisesse ser apanhado de surpresa. Não havia quase nada para olhar. O sofá, as poltronas, a mesinha (tampo branco de fórmica, pernas de madeira), as cortinas, a porta para a cozinha, a porta para o corredor e a porta para dentro. Quando voltou a cabeça, ela estava novamente à sua frente, com os dois copos de conhaque. Ele bebeu.
— Está ótimo — disse.
— Esquenta um pouco, não é?
— Esquenta.
— Você está com frio? — Ele ia dizer que não, que já não estava, mas ela não prestou atenção. — Estava olhando pela janela antes de você chegar e imaginando o frio que deve estar lá fora. As ruas estão vazias, não estão?
— Estão.
— E deve haver uma pequena camada de gelo em cima dos automóveis estacionados, não é?
— Acho que sim, não prestei muita atenção.
— E quando a gente fala, deve sair uma fumacinha pela boca, assim, veja.
— Ela tragou o cigarro, depois o apagou e soprou a fumaça devagar, para cima.
— Só que lá fora é ar condensado, não fumaça. — Riu.
— Aprendi no colégio.
— É assim mesmo — ele concordou. E apagou o cigarro.
Ela parou de falar. Ou louca, ele pensou. Ou puta ou louca. Mas ela era discreta e mansa, os cabelos caindo em mechas desalinhadas sobre a testa, o rosto um pouco gasto, as sobrancelhas depiladas e arrumadas em arco. As unhas sem pintura, roídas — observou, enquanto ela levava novamente o copo à boca, depois tornava a sorrir, os dentes irregulares, mas claros e parecendo naturais. Moveu-se incômodo na poltrona. Se ela não dissesse nada no próximo momento, não saberia como agir. Ela pareceu adivinhar. Pousou o copo sobre a mesa e perguntou:
— Como é mesmo o seu nome?
— João — mentiu, a voz brotando antes de qualquer pensamento.
— É um nome simpático. Meio antigo, você não acha? Ninguém mais se chama João, hoje em dia. Os meninos costumam se chamar Marcelo, Alexandre, Fabiano, essas coisas. As meninas são Simone, Jacqueline, Vanessa. Leio sempre aquelas participações de ascimento no jornal, é o que mais gosto de ler.
Ele não disse nada.
— Há cada vez menos Marias — ela continuou. — E cada vez menos Joões e Paulos. Exceto nós, claro. Quer mais um conhaque?
Foi então que ele começou a sentir como um perigo rondando.
Ela avançara o busto em direção a ele. De repente teve certeza: ela também estava mentindo. Pensou em perguntar, mas a certeza foi tanta que não era preciso. Além disso, a desconfiança de que uma pergunta assim fizesse desabar — o quê? Levantou-se.
— Acho que vou andando. Ela não disse nada.
— É muito tarde.
Ela continuou sem dizer nada.
— Tenho que trabalhar amanhã cedo.
Ela ajeitou uma das mechas do cabelo. Ele encaminhou-se para a porta. Estendeu a mão para abrir. Mas ela foi mais rápida. Antes que ele pudesse completar o gesto ela estava do seu lado, e muito próxima. Tão próxima que sentiu contra o pescoço um bafo morno de cigarro e conhaque.
As costas de sua mão esquerda roçaram a fazenda do vestido comprido.
Quente, macia. Bastava menos que um gesto. Mas ela já abria a porta:
— Dizem que se o visitante abre ele mesmo a porta, não volta nunca mais.
Ele saiu. O corredor de mosaicos gelados.
— Volte quando quiser — ela sorriu.
Ele deu alguns passos em direção ao elevador. Ela continuava na porta. Antes de entrar no elevador ainda se voltou para encará-la mais uma vez. E não conseguiu conter-se.
— Não conheço nenhum Paulo — disse.
— Eu também não — ela sorriu. Ela sorria sempre. Ele apertou o botão do Térreo. Conseguiu segurar a porta um momento antes que se fechasse, para gritar:
— Eu não me chamo João.
— Eu também não me chamo Maria — julgou ouvir.
Mas não tinha certeza. Difícil separar a voz sorridente do barulho de ferros do elevador. Rangendo, puxando para baixo.
Na porta do edifício, tornou a apertar o botão do porteiro eletrônico:
— Escuta — perguntou —, você não tem um rádio-despertador?
— Claro que sim. Na minha cabeeeira.
O riso chegou distorcido através dos pequenos orifícios do aparelho.
— E tenho também uma garrafa de vinho. Mas agora é muito tarde.


Conto de Caio Fernando Abreu - Pedras de Calcutá