domingo, 21 de fevereiro de 2010

Linha do Equador - 1° parte

Dentro do ar apago as vozes como quem não quer encarar as notas. Dentro do gelo apago o frio como se isso não fosse muito importante. Mas a verdade é que caio e, se pudesse apagaria o tombo também. Não me recordo o que foi feito de mim, mas se pudesse o apagaria como quem apaga o próprio texto. Eu respiro porra, eu respiro... E me perco dentro dos emaranhados dos meus próprios laços, dentro dos labirintos da minha casa de sapê. Talvez seja recesso de espírito, falta de combatividade; mas pode também ser tempo, sim, tempo de espera, tempo de reabastecer.
Afogou-se a vontade, afogou-se o critério e eu contínuo aqui, queimando como uma tocha e meia de outros desejos. Sou o âmbar de luz e faísca que conserva dentro de si um tanto de outras estrofes, de tantos outros “causos”. E aquele sonho? Aquele mesmo que jurei que havia me matado? O vento? Sim, carregou-o para respirar outros ares, outros corpos. Nossos sonhos são impermeáveis, são líquidos imiscíveis de conflitos e de redenções esporádicas. Sopro forte, arrancou de mim, arrancou das minhas glândulas secas... Pra que forçar tanto a memória? Apagar, sim, por que não consigo apagar isso também...?
Mentiras e verdades recheadas de deletérios descem pelas minhas guelras, acotovelando-se, atirando-me de volta daquele precipício. Por que minhas verdades tem o mesmo peso das minhas mentiras? É dessa forma que congelo-me, apagando-me assim sucessivamente, paulatinamente... Não sei se existiu um ponto forte, mas o lado fraco certamente rompeu-se e eis que a espinha dorsal de tudo isso só poderia ser... Só poderia mesmo. Pensar em mim congestiona todo o resto e, o mundo atrasa enquanto mantenho-me firme dentro da primavera de um espelho partido. Eu me anulo cortando meus pulsos, eu esmiúço-me caracterizando um outro fato, uma outra sucessão.
Dos males “concerto-me” ajeitando a cabeça enquanto a reclusão de sentido vaga sobre a catarata que há em mim. Não há um corretivo, apenas uma verdade escamada, uma verdade preferida servindo como interlúdio, como fuligem a se desfazer com um sopro qualquer. Com os outros lados, vejo-me em quadrado: por que meus lados são tão iguais, tão perfeitinhos, tão simétricos...? Ah, sim, condenação quadrática de paredes umedecidas, de paredes surradas por tantos golpes repetitivos, tantos infortúnios, tantas quimeras... Tantas outras canções.
Meu abraço sussurra, enquanto meu beijo queima como flâmula. Eu suavizo porra, eu suavizo... Não da maneira correta, mas de forma autêntica, inviolável e questionável. O limite em mim foi demarcado com uma linha. Meu peito foi cortado, dividindo meus pontos ardorosos, mapeando-me assim como a geografia do desfalque das roupas, com a silhueta do imperfeito, do defectível; marcando-me com uma linha imaginária como na teoria da Linha do Equador. Por onde começar não imagino, mas eu sou o infinito e não tenho fim, minto, não vejo um final propriamente quando baseio em mim ou no que eu posso fazer. Dentro do limite sou ilimitado de erros, ilimitado de abandonos e de sucessivas coisas que partem de dentro para fora, de fora para dentro. Não sei como pode ou como explicar que não sou tão bondoso como julgam-me ser, porém existem coisas como calor latente e dentro dele pareço revelar-me, não para os outros, mas para mim mesmo.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

...

Do alto onde me encontro,
As estrelas se confundem com as luzes da cidade,
Tudo é sempre tão artificial,
Como meu coração...
Tudo o que foi deixado é o que eu escondo,
Como se eu fosse jovem.
Lamúrias guardadas,
Como versos bem escritos,
Meu desejo é atirar-me para poetizar-me em você.
Contemplo a solidão com o único intuito,
De ter mais tempo pra pensar em você,
Se eu bebo o vinho é pra poder rir,
E parar naquele instante, no relaxar do meu sorriso,
Contemplando-te em câmera lenta.
Ver que meu amor não é uma loucura,
É um sentimento guardado e economizado pela vida.
Pois não me deixe chorar em uma tarde de sábado,
Vamos recordar nossas emoções,
Nosso primeiro abraço,
Fazendo do amanhã um outro dia,
e que a nossa madrugada percorra um outro longo caminho.
Nós queimamos no chão,
Ardemos,
Não tenha medo,
Junte os cacos despedaçados,
E siga a próxima estrela,
que eu me aproximarei outras duas vezes...
Ainda mais atrasado.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

...

Eu fico leve, leve como uma pluma, e meu passo se torna mais firme, mais calmo, mais uniforme. Que bela noite! As estrelas brilhando tão luminosamente, tão serenamente, tão longinquamente. Não precisamente caçoando de mim, mas lembrando-me a futilidade de tudo. Quem é você, jovem, para estar falando da terra, de reduzir coisas a pedacinhos? Jovem, nós estamos aqui penduradas há milhões e bilhões de anos. Nós vimos tudo, todas as coisas, e ainda brilhamos pacificamente toda noite, iluminamos o caminho, serenamos o coração. Olhe ao seu redor, jovem, veja como tudo é quieto e bonito. Está vendo, mesmo o lixo caído na sarjeta parece bonito esta noite. Apanhe a pequena folha de couve, segure-a delicadamente em sua mão. Curvo-me e apanho a folha de couve caída na sarjeta. Parece-me absolutamente nova, um universo inteiro em si própria. Parto um pequeno pedaço e examino-o. Ainda um universo. Ainda indescritivelmente belo e misterioso. Tenho quase vergonha de jogá-la de novo na sarjeta. Abaixo-me e coloco-a delicadamente entre outros restos. Fico muito pensativo, muito, muito calmo. Amo todos no mundo. Sei que em um lugar qualquer neste momento há uma mulher esperando por mim e basta eu prosseguir muito calmamente, muito delicadamente, muito vagarosamente, para chegar até ela. Estará em pé em uma esquina talvez e quando eu chegar ao alcance de sua vista me reconhecerá – imediatamente. Creio nisso, portanto que Deus me ajude! Creio que tudo é justo e ordenado. Minha casa? Ora, é o mundo - o mundo inteiro! Em qualquer lugar eu estou em casa, só que antes não sabia disso. Mas agora sei. Não há mais linha fronteiriça. Nunca houve linha fronteiriça: eu é que a criei. Caminho vagarosa e beaticamente pelas ruas. As amadas ruas. Onde todos caminham e todos sofrem sem dar demonstração. Quando paro e me encosto em um poste para acender um cigarro até mesmo o poste parece amistoso. Não é uma coisa de ferro – é uma criação da mente humana, modelada de certa maneira, torcida e formada por mão humanas, soprada com sopro humano, colocada por mãos e pés humanos. Viro-me e esfrego a mão sobre a superfície de ferro. Parece quase falar-me. É um poste humano. É de casa, como a folha de couve, como as meias rasgadas, como o colchão, como a pia da cozinha. Tudo permanece de certa maneira em certo lugar, como nossa mente permanece em relação a Deus. O mundo, em sua substância visível e tangível, é um mapa do nosso amor. Não Deus, mas vida é amor. Amor, amor, amor. E no meio mais central de tudo caminha este jovem, eu mesmo, que não é outro senão Guilherme Canedo.