quinta-feira, 29 de abril de 2010

Ninguém

Ninguém ontem veio até mim
E tão só quanto eu
Sentou-se ao meu lado para conversar.

Porém ninguém ontem nada podia dizer.
Talvez, como eu, estava tão refocilado na lama,
Que sua voz sumira devido à tristeza tão lúbrica.

Ninguém se faz meu sósia.
Ambigüidade desesperada de olhos diáfanos e solitários,
Permanência tipicamente nua,
Porém vestida de verdades compridas

Ninguém se finge de morto
Sua voz transparente,
Em mim só vem a acrescentar
Uma nova versão líquida

Ninguém me consola
Por isso a amizade escancarada na testa
Eu não consolo ninguém
Por isso somos unha e carne

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Egonizando

Em mim tudo antes era festim! Jorrava em minhas veias tão finas o vinho para fervilhar e alimentar minha alma: “Um calor ausente de suas faculdades descritivas”. Tudo resumia-se há confetes e serpentinas. Hoje sou ocioso como um sapo a coaxar numa noite sem estrelas, e nada pretendo ser mais do que isso. Sobre o valor da sinceridade afirmo: “nada mais serei”! Tem algo que me puxa pelas pernas; algo tão repugnante que sequer tem a coragem de retirar a máscara do seu rosto. Eu estou exposto ao mar e tão instintivamente como qualquer um tento salvar-me da fúria turbulenta das ondas. Bato meus membros sobre a água, canso-me, e sinto a escassez das energias saindo, voando, pelos meus poros. No início acreditei piamente que conseguiria chegar a algum lugar, e consequentemente recobraria a consciência daquilo que antes me fazia sobrevivente. Porém, há muito tempo atrás, senão me engano, eu investi cegamente num princípio tão baixo de condenação... Eu havia, de fato, estrangulado a felicidade.

sábado, 24 de abril de 2010

Conjecturas

À noite sento, olho ao redor, no meu eixo de quimeras e enganos ao vento, ao frio, ao relento. Não sou bem vindo, apenas observado com olhos e veias tão esticadas. O que faz de mim ruim e pecaminoso? Sim, posso imaginar... Minhas verdades tão subliminares, sem importância a olhos tão certos de si. Mentiras então, por que não? Seja como for, eu me desarmei há muito tempo. Se lhes disser a verdade serei vilão, se lhes disser mentiras serei expulso do meu próprio eixo, e se fizer o certo serei o herói mais triste do mundo. Tristeza não me parece o mais correto, o mais lúdico dos afazeres. Pois bem, matem-me da maneira mais cruel, talvez mereça mesmo ser cortado, fatiado; porém jamais engula-me, porque vão ter uma azia insuportável. Sei, e muito bem por sinal, que não sou o mais simples dos seres humanos e nem o mais fácil de se lidar sobre qualquer coisa. Infelizmente, tenho a resposta de tudo, mesmo que soe como uma grande idiotice. Como diz o Leandro pro Sérgio: Você quer porfiar com uma faca, logo, com um samurai. Dessa forma nada posso ser, se não isso, um cancro no coração de quem me ama!

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Manhã roubada

A sensação permanece
Como luz, como adorno
E, hoje tudo tão vívido
Que nada pretendo esquecer.

Seu corpo
Seu copo
Silenciosas águas perfurantes
A sensação de inacabado em mim se faz com fastio.

Queria eu ser reservatório
Queria ser fuligem
Ter fome de estômago,
Pois saciar-te-ia por completo.

Precipitação em seu leito fluvial
Verdade cortada...
O que serei pra você?
O que serei por você?

Bobo, dramático,
Falsidade largada,
Verdade engolida à ferro
Oceano vazio ou só fogo morto...?

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Falta-me Lua

Eu queria postar algo, porém não estou conseguindo. Nada me vem à cabeça, nada sequer passa do lado de fora. Falta-me lua. Falta-me muita lua mesmo. Eu até tenho escrito alguma coisa, mas não sinto muita vontade de postá-lo Pra falar a verdade, é um único texto que percorre pela minha cabeça há uns seis meses, uma seqüência de acontecimentos que vão se seguindo, que vão criando uma lógica pelo menos pra mim... Não que eu tenha medo de postar, pois ainda tenho tanta maluquice, tanta doideira, tanta sexualidade, tantas coisas que ainda não aconteceram pra relatar que ainda não me sinto pronto totalmente... Não que tudo que eu escreva seja verídico, pois não é. Hoje andei relendo tudo desde a primeira página, tem tantas coisas pra consertar, são tantas frases que quero mudar, tantas ideais que acabaram antes da hora. Fora a revisão que enche a porra do meu saco... Eu juro que não sei o que fazer realmente com essa montoeira de papel. Tem texto pra tudo quanto é lado; tem salvo no computador, tem escrito a mão no caderno do Mickey, tem escrito na parede do meu quarto, fora os pendurados no mural e os que eu escrevi no armário do meu quarto. Tem tanta coisa dentro de mim que eu necessito esvaziar... Digo que isso, nada mais é que minha súplica diária. Não que eu escreva bem, pois sei que não escrevo. E muito menos que o texto seja bom... Pois não é! Hoje eu juntei todo esse texto e vou levar para o Sérgio dar uma olhada, uma sugestão, uma crítica, um puxão de orelha. Ele que quis ler... tá fudido. Comprei até uma porra de um fichário. Amanhã vai ser um dia de muitas cervejas, e muita discussão.

“O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais; há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que eu nem mesma compreendo, pois estou longe de ser uma pessoa; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que não se sente bem onde está, que tem saudade… sei lá de quê”!

Florbela Espanca

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Corredor de Praças

O céu daquela noite era escuro, mas escuro do que normalmente estava habituado, um céu recém-nascido, carregado de uma beleza afoita para amanhecer. Enquanto o mundo dormia, certas reflexões feitas de acaso criam formas, como se estivessem preparando a sua irreal, mas compreensiva surpresa. O céu de nuvens espessas, ao mesmo tempo tão escuro se fazia revelador, bastou-me apenas erguer os meus olhos, que logo me vi obrigado a perguntar: onde eu estive esse tempo todo?
Sim, eu sou invejoso. Não ao ponto de desejar o mal a ninguém, longe disso. Mas sabe aqueles dias em que você sai, e senta no banco da praça e fica admirado em ver as criancinhas correndo pelo infinito gramado, sem nenhum tipo de preocupação, sem a cobrança de ter sempre algo muito mais do que revelador? - Queria eu ser assim. Uma criança. Um corredor de praças.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Alice

Para as mulheres

Alice é uma pessoa de idealizações, cheia delas. Mesmo sendo tão transparente, sua vida se resume a palavras... É um conjunto de palavras em formato itálico, mesmo tombando, mesmo caindo pra direita, seguram-se, equilibram-se, sem jamais cair. Ela nunca pensa em desistir de si, mesmo sendo assim, se vê culpada em todo tipo de situação, e se martiriza por isso. Carinho, amor, doce e arredio. Se manifesta dessa forma, é a junção dessas quatro palavras; assim em itálico, sempre tombando pra direita. Suas idealizações, seus sonhos, são basicamente iguais a de qualquer pessoa. No final das contas Alice é a descrição perfeita, é a própria personificação do sonho. Jamais cai, ela só não gosta de sempre ter que recomeçar. Mergulha de cabeça quando se interessa por algo, e se culpa quando as situações se diferem dos seus sonhos. Ela gosta do prático, do simples; mas adora complicar tudo. Coloca seus questionamentos, e seus pontos de vista em situações que não merecem tal complicação. Gosta é da intensidade e de viver tudo como se fosse o último dia. Adora ouvir, adora conversar, só não aceita as críticas alheias. Ama a música, vive sempre dentro de uma canção, vive permanentemente na freqüência de sua imaturidade, dentro do seu jeito de eterna menina.
No início de nossa relação, eu achei que ela se parecia muito comigo, mas acabei notando que nossos valores se diferem, não de uma forma prejudicial; longe disso. Mas vejo Alice em cores, cores essas muito fortes e muito intensas. Quando sinto seu cheiro, penso que estou em um jardim, com flores amarelas, vermelhas e roxas. Vejo abelhas, em seus banhos de néctar, sinto as folhas das árvores com sua leveza caindo, caindo, caindo, mergulhando sem resistência sobre o meu abraço. Alice procura a felicidade como quem procura a própria vida. Perde seu tempo procurando, se perdendo dentro de suas idéias. Ela faz de si mesma uma moradia de tantos outros casos; morde e absorve os impactos, e consente, consente e se entrega com um sorriso. Sua armadilha é seduzir, seu sonho é permanecer, intacta, inviolável; até quando lhe for conveniente trocar a permanência por seu sinônimo.

domingo, 4 de abril de 2010

Conto – A Casa Pré-Fabricada

Com seu corpo estirado no chão: “chão esse que lhe parecia um tapete borbulhando de um fervor rubro”, nada lhe parecia distante, tão diferente das situações que lhe ocorrem ontem, ou anteontem, não se sabe ao certo... No seu tapete tudo se criava; suas idéias e reverberações de destaque e alegorias. Não sabia ele nada sobre a vida, mas ali no pseudo-tapete, era possível, bem possível que germinassem sementes, que brotassem árvores assim tão frutíferas. Esse era o seu espaço de dimensões restritas, de comprimento e largura que pra ele poderiam ser maiores do que qualquer teoria, do que qualquer outra medida. Sim, ele podia deleitar-se ali jogado, crucificado no mar de um tapete que parecia sua casa com paredes de vidro. Sentia-se feliz por ter seu espaço: “espaço esse infinito que não cabia mais ninguém”, só ele. Ali parecia seu lugar de silêncio, de maestria, onde as notas titubeavam para um sono profundo e eficaz. Muitas vezes procurou um sentido lógico, porém esse sempre inatingível, ininteligível percurso. Nada no mundo parece melhor do que aquele espaço, nenhum lugar é tão reconfortante e sossegado, ao seu entendimento, para estar-se morto.