sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Magnólia

Eu queria ter formas, criar algumas delas, pra poder digitar aquele sorriso. Não sei exatamente de onde ele surgiu e como conseguiram inventar tamanha imensidão. Têm um espaço vazio, e me parece, de alguma forma, ele ter me completado. De repente descobri que queria aquele sorriso pra mim, acordar e dormir observando-o. Queria sentir nos dias transcorridos de suor sua reprovação, sua felicidade, sua tristeza, sua mágoa; o encontro dos nossos dois sorrisos únicos. Sinto-me mais preenchido quando posso admirá-lo, quando o tempo nos aproxima e posso fazer dela inteira uma grande gargalhada. Sua energia transpira e com seus sais quero fazer da minha água negra um mar, um banho de gostar, molhando nossos conceitos quebrados. Eu te quero penetrando meus poros, refocilando minha pele, fazendo-me ser presencial, obsoleto e intermitentemente uma variação daquilo que mais amo.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Certa vez

Certa vez, esperei que me salvassem... Eu sabia que essa probabilidade era remota, mesmo assim arrisquei me expor na rua com uma cartolina gigante escrito “salvem-me”. Igualmente a Aimee Mann, não queria pertencer ao grupo dos esquisitos. Porém, enquanto esperava, surgiu uma voz que me dizia: “Cara, esse é seu grupo, esse é o seu carma”. A verdade é que queria ser notado pela minha excentricidade, pelo meu modo vagaroso de andar, e por saber notar nos sorrisos secretos das pessoas. Aos poucos vamos deixando de ser analfabetos, vamos corrigindo nossos próprios erros, e logo, assim que possível, vamos tornando-nos poetas. Queria ser poeta o tempo todo, fazer poesia igualmente ao meu coração. Quando penso no que posso ser, sempre olho para o chão e, sinto vergonha em dizer que só posso ser isso. Queria que me lessem nas entrelinhas, de forma bilíngüe, que entendessem quais são as coisas que quero dizer quando entrego minhas poesias. Porém, essa é a forma que gozo, que me divirto, muitas vezes, por não ser entendido. Não que seja algo proposital, não penso muito nisso tudo, lembro-me disso, quando me perguntam o que quis dizer com tais adjetivos. E eu respondo-lhe, diretamente: ”Isso é só uma preparação para quando te entregar o eu poeta”.




Save me - Aimee Mann

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Conto – Versões plastificadas de uma célula.

Algo que escrevi e não recordava

Todos nascem iguais, isso independe de classe social, religião ou credo. Não importa se é homem ou mulher, somos iguais. Uns nascem em uma relação sexual pelos frutos da paixão, com o incomensurável desejo sustentado pelo laço mais forte, o laço do amor. Outros como eu, nascem de uma relação sustentada pelo nunca mais, como à tormenta do mais revoltoso mar, como se eu fosse um movimento inciso, uma moradia errada para todo o mal.
Eu nunca fui muito bom em biologia, e nem sei por que se estudar tantas células, se a verdade independe delas, e também não sei qual motivo de se citar células e verdades nesse relato, mas de alguma forma procuro respostas entre os vãos da incompreensão de tais fatos.
Quando cheguei a esse mundo, a convicção de que nasci da mesma forma que todas as crianças se fez mais do que evidente pra quem quer que fosse. Todos nascem pelo primor da igualdade, todos nós nascemos pelados, sem dentes e chorando. O que nos diferencia uns dos outros é quando crescemos e nos tornamos uma vida independente, ou seja, viramos a real compreensão dos nossos atos; onde a árvore de uma má criação ganha galhos e revelando-se negra na inclemência do mundo.
Quem foi meu pai? Eu não sei o que posso inventar para deduzi-lo. Não faço a mínima idéia de quem ele tenha sido, mas provavelmente um amante de boteco, sujo e sem escrúpulos. Minha mãe foi uma prostituta, que se encurvava por qualquer mísero tostão, não por necessidade e sim por ser uma delicada apreciadora do sexo.
Talvez cada um tenha o futuro que mereça ter, o meu foi feito pela falta de amor, a ternura esquecida naquele verso estranho da mais estranha poesia. Isso foi arrecadando maus sentimentos em mim, foi me juntando traumas e mais traumas, era o desejo da morte no júbilo da vida.
Tornei-me um homem frio, sem coração, calculista e desconfiado. O mundo pra mim era feito de plástico, a cor cinza com o rancor da vida tornou-se meu estilo de vida. Isso não é sentido figurado nem nada, eu via o mundo em distorções de polietileno e polipropileno. Árvores secas a massacrar a vida de um homem sem motivo pra viver. Mulheres de plástico pra me julgar covarde, era a vida atrás de uma pergunta qualquer, um mísero sentido apagado de luz, o fervor inexistente de um coração que não irradia sangue e sim óleo diesel.
Ludibriar mulheres com juras de amor inexistente, histórias e proezas que eu supostamente tinha passado pelo mundo. Eu era o grande charlatão. Não tinha moradia fixa, subia na minha motocicleta e ia de cidade em cidade, espalhando aos sete ventos minhas ardilosas e plastificadas versões de mim mesmo.
Eu era um freqüentador assíduo de bordéis, era a versão ainda mais nojenta e ordinária que meu pai. Talvez por ter nascido dentro de uma casa de prostituição, me fazia sempre o melhor, o mais esperto, o complemento irregular das verdades supostas. Vivia sempre rodeado por mulheres, sabia compreender suas cabeças, sabia como afeta-las. As palavras eram minhas “piores” armas, o complemento de muitas delas... As benditas frases.
Minha fama foi se propagando. Muitas mulheres por onde passava suicidavam-se, o amor exagerado que as fazia sentir era um balé de passos tristes conduzido pela dependência da minha partida. Mesmo não tendo nada haver com suas mortes, porém era perseguido pela polícia como um inimigo da sociedade cristã, um inimigo público. Procura-se “O colecionador de almas”.
Tornei-me um tipo de Don Juan, um monstro que vaga sugando e colecionando todas as almas em um vidrinho. Nos jornais saiam muitas histórias, como verdadeiras sagas ao meu respeito, o que proporcionava fantasia nas cabeças de todos. Muitos afirmavam convictos que havia feito um pacto com o Diabo, outros afirmavam que eu era o próprio.
A verdade é que não sabia o que estava fazendo, talvez nem seja esse psicopata todo que estejam noticiando. Apenas preciso procurar a parte do quebra-cabeça, o pedaço que seja primordial para acender a fagulha de uma nova emoção. Eu preciso sair dessa sombra, quero... Mas sou fraco.
Um dia resolvi mudar, pois havia conhecido uma formosa mulher em um bordel, cuja alma não conseguia roubar. Ela tinha grandes e oblíquos olhos como os de Capitu, o que me deu uma verdadeira e diferente sensação de preenchimento.
O Don Juan do novo século havia se aposentado. A certeza fez-se o firmamento para o novo e existencial contorno de minha aura. Enfim entrelacei minha vida em outra, o que é uma forma quase irracional de contentamento. Só faltava-me conquistar a minha Capitu, para despojar a verdadeira essência de ser um novo ser.
No jornal havia saído à verdadeira face do colecionador de almas, um esboço perfeito do meu rosto. Seria o fim? Por incrível que pareça aquilo foi algo que encantou a minha Capitu, ela finalmente mostrou o que o amor contido nela poderia ser em uma pessoa como eu. Subimos as escadas apavoradamente loucos para desfrutar os prazeres recíprocos do amor, uma inflamação voraz de paixão.
Foi-se horas e mais horas, era a noite que se deleitava com as verdades inacabadas de um suplemento quase mágico de uma vida passada. Era o fulgor, éramos uma simbiose... Somos resquícios de fuligem.
No dia seguinte eu descobri que realmente era um tipo de monstro, pois eu havia ido embora, deixado o lado esquerdo da cama, onde o frio se fez por horas quentes. Havia feito mais uma mulher se suicidar, mais uma alma... A melhor delas. A verdade é que nasci diferente, não foi meu pai e nem minha mãe que me tornaram assim, foram minhas células de plástico que se fizeram metástase em um todo.