domingo, 19 de setembro de 2010

Conto - Dançando valsa nos salões do céu

Os santos jazem com seus braços erguidos na incumbência da prece, as janelas continuam abertas, as plantas continuam mortas no canto abandonado. A televisão ligada foca sua imagem enquanto assimilo o seu ruído de interferência. E eu venho andando, andando... Saindo pela porta a luz se torna negra, funda, e o que me sobra é uma turbidez enquanto desço degrau a degrau a escada. A bicicleta da rua passa, os pássaros tentam cantar, os carros caminham seguindo a turbulência das suas cores que correm apressadas como um tiro: - “Balas de revólver deviam ser coloridas”. O céu grita que vem chuva e a paisagem com nuvens pretas assustam as poeiras. E eu venho andando, andando... Uma voz não me chama a atenção, duas vozes conversam, porém nem a curiosidade é capaz de me fazer parar. O trajeto é o mesmo do atropelado da semana passada, trilhas e trilhas de sangue levam ao final, ao início. As fumaças são gloriosas e eu as respiro, as devoro, puxando pelas minhas guelras abaixo uma característica da natureza que me faz querer ser esse complemento dançando no ar. Na praça, o gramado é verde e as flores amarelas são as mais bonitas pra se compartilhar num sonho. O mar está a minha frente e na areia branca escrevo meu nome: “Nunca tinha feito isso”. Tiro a roupa, fico nu, e contemplo a água gelada tatear meu corpo enquanto o sal penetra minha pele. É pouco tempo, e quero nadar, nadar... Meus amigos estão no bar tomando cerveja e a afeição de felicidade também não se completa. Queria pedir-lhes perdão pelo abandono, por não saber usar o telefone de vez em quando. Tenho tão pouco tempo... Não quero ir embora daqui. Onde estive esse tempo todo que não reparei...

St. Vincent - Marrow

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

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Postulei versos calmos sobre água benta e conhaque, e sem querer me vi inundado dentro desse lago de contradições. Às vezes era condecorado com estrelas ofuscantes, noutra suicida de um colapso intermitente de espaços vazios. Quando me imaginei perdido dentro daquela quimera desperdiçada com caprichos e inércia, rotulei minha atitude de leviana.  Encostei minha cabeça nesse travesseiro de plumas e me descobri outro homem devido à consciência das reflexões. E assim levantei de manhã, animado por não ter recaído, feliz por não poder mais usá-la... Pego a mesma van e percebo que a cada quilometro que atravesso da minha casa até lá, um sentimento, um pressentimento de que o ontem pode ser hoje desaba sobre mim.

sábado, 4 de setembro de 2010

Dentro de qualquer espelho

Conheço pessoas importantes, e elas não parecem tão importantes assim quando as conheço, isso ocorre depois de algum tempo. Uma vez, surpreendi-me ao conhecê-la, e sem dar seu merecido valor acabei ignorando seu sorriso. Erro que certamente não cometi na segunda vez que a conheci: -"E o que teria ela demais"? Permaneci anestesiado dentro dessa pergunta por algumas semanas, e acabei descobrindo que pra perguntas sem respostas o tempo não interfere nada na minha vida, nem para acalmar-me. Não sei como certas coisas brotam dentro de mim, não sei como elas florescem, criam galhos; porém, de alguma forma aquilo não poderia acontecer, não comigo, deveria então podar alguns de seus pedaços amorenados sobressaídos de mim. Vê-la todos os dias tornou-me, deixe-me ver, um tanto quanto paranóico, um tanto quanto diferente de mim mesmo dentro de outros dias, a qual jurei, que me reconheceria diante de qualquer espelho. Algo havia mudado em mim, não era mais eu mesmo, era apenas mais humano e mais previsível do que a grande maioria dos desconhecidos.