sábado, 27 de novembro de 2010

Embriagando-se com Neruda

Deitado na minha cama as idéias parecem mais descompassadas do que quando estou perto do meu desassossego. É como se a inquietude me possuísse tornando-me um tanto recluso dentro da minha própria cela. Nessas horas acendo cigarros atrás de cigarros, desenterro um licor de tangerina, que mesmo fiz, no fundo do meu armário e começo a contemplar a minha fuga. No jornal, a notícia de que o mundo lá fora se diverte com a encruzilhada de balas desmancha qualquer possibilidade minha de vê-la. Sim, sairia pra qualquer lugar, com tiro ou sem tiro, só pra poder encostar-me em sua camada de açúcar. Vou colocar fogo num ônibus por não poder encontrá-la. Quer maior prova de fidelidade? Não tente entender o que certas pessoas têm na cabeça.
A lua está estatelada num céu de mercúrio e se aprumar um pouco meus braços para a direita, talvez, consiga encostar os meus dedos. É com essa imagem de proximidade que penso nela e na vontade de dizer tudo o que vem a minha cabeça. Hoje, tenho com o que sonhar e vender pra quem quiser comprar o meu melhor produto. Acho que é assim que se começa bem disposta à morte de poetas marginais. Talvez precise de Neruda perto de mim pra consolar-me.

domingo, 21 de novembro de 2010

Todo embrulhado em algodão

Eu queria saber como são aquelas notas devorando meus tímpanos, beber do sopro que me eleva e nunca esquecer o beijo que me alimenta. Às vezes, enquanto ando pelas ruas, penso em como seria se esses meus casos não tivessem morrido de morte prematura. Como eu seria hoje? Como agiria? De repente, me lembro que vivo a plenitude dos meus vinte quatro anos e que pensar, agora, não é o que mais tenho feito na minha longa estrada. Mesmo desfrutando de tudo que um homem pode ter, eu sei que sinto um medo muito grande, como se existisse um grande câncer devorando-me por dentro. Cada vez que os segundos mergulham no passado me vejo ainda mais vestido desse medo. Acho que quero abraçar o mundo sem encostar a borda no meu peito. Quero ter tudo e ao mesmo tempo mantê-lo afastado de mim. Ultimamente, tenho pensando mais em mim do que em qualquer coisa, não que eu esteja priorizando apenas o “eu”, mas tenho pensado que sentir-se vivo é o que de mais importante tenho.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Conto – A segunda mulher de um homem esquecido

As paredes continuavam encardidas de nós e o chão preso aos cadarços que criamos. Pode-se achar estranho isso, mas realmente parecia que a nossa casa arrebentaria e abriria um abismo entre nós. Eu estava de fato desatando esses “nós” e voava tão alto sobre esse abismo que não me importava em cair. O erro começa sempre depois de suscetíveis acertos e tem hora, convenhamos que fazer as coisas certas é um pé no saco, o meu foi chutado algumas centenas de vezes, só pra esclarecer. Eu tinha dezessete motivos para amá-la e não sobrou um sequer pra fazê-la pensar em como seria bom uma possível volta, sabe como essas coisas são, o tempo vai passando, passando e a nossa cabeça vai ficando cada vez mais orgulhosa.
Tentei inúmeras vezes convencê-la de que foi apenas um deslize, apenas um, mas ela é difícil de convencer do contrário, é irredutível quando se toma uma decisão, principalmente, pra sua vida ou pra sua morte. Supliquei tantas vezes que me perdoasse, surrei tanto minha cabeça contra a parede para fazer que meus miolos se reagrupassem, como uma forma de autopunição, mas nem o sangue, nem a dor de se rachar aquilo que me comanda foi o suficiente para fazê-la reabrir o seu peito. Tudo o que mais queria era o seu perdão, mas era como se tivéssemos caído em uma gravidade horizontal oposta. Sem ela parece que sou metade em tudo e no que se diz respeito às estrelas a minha parece que perdeu a luz e inebriou-se de vazio. Não sinto vergonha de dizer que toda a minha luz provinha dela, mas sinto orgulho de dizer que pequei em não dar o devido valor na hora certa.
Parecia um dia tão fútil quanto todos os outros na minha vida, os relógios continuavam batendo seus ponteiros sobre a minha cabeça, enquanto lá fora o mundo atravessava seu corriqueiro caos de pernas e carros. Nada que eu não estivesse prontamente acostumado. Quando mais acho que estou certo sobre algo, mais desesperadamente preciso procurar algo para me amordaçar. Acho que a rotina estava me matando paulatinamente, não estava tão feliz como antigamente, estava tão triste como uma nuvem de chuva em época de estiagem. Eu queria quebrar esses conceitos, esses pudores, queria viver algo novo sem me esquecer de quem de fato eu amava. Suplicava por debaixo dos panos um caso, uma amante, uma coisa que me trouxesse de volta pra casa, para a minha mulher. Era como se Deus tivesse me ouvido e prontamente colocado sua melhor moldura, sua melhor modelagem, em minhas mãos para eu poder brincar e me acostumar com o distante.
Sua inteligência, sua astúcia e sua beleza eram coisas que não podiam ser prontamente entendidas, deviam ser devoradas e engolidas a seco. Foi, de fato, o que fiz. Alguma coisa nela, alguma magnitude, alguma coisa que eu não era capaz de resistir, parecia querer me puxar para o fundo daquele seu vestido. Seu cheiro me hipnotizava e seu nome me lembrava nome de pedra preciosa... Não demorou muito para que eu provasse das suas garras, que me deleitasse com elas rasgando minha pele, foi como se sua alma tivesse impregnado na minha.  A suntuosidade das suas curvas, o deslize macio da sua pele e a quentura do seu corpo marcou-me muito mais do que uma simples foda. Eu estava amando pela segunda vez a minha própria mulher, amando uma que ela não orgulhava nenhum pouco em ser. 

sábado, 6 de novembro de 2010

Miles Davis' funeral

Quando se afoga qualquer sentido tudo o que vem a minha cabeça é: - “Como me livrar desse vácuo permanente”? Daquela vez, juro a vocês, eu quase morri afogado e seria capaz de repetir tudo novamente para ir atrás daquela sensação de anestesia na minha pele. Meus carbonos ferviam e minhas proteínas enovelavam-se, tudo parecia me consumir e mesmo sabendo que a morte me habitava e me punha dentro do seu cercado particular, o prazer e os significados da liberdade faziam um significado muito maior do que qualquer outra coisa pra mim. Ela era a melhor droga enquanto nos drogávamos juntos, era como se amá-la levasse os tons para cima e para baixo e toda a melodia tocasse ainda mais rápida. As horas de torpor queimavam conforme as fabulosas velas romanas, e era dessa forma que meu coração alcançava seu próprio término. A superfície que aproxima do fim me proporciona suas intenções e suas saudades; o contato mútuo, a faísca, a combustão e a fuligem... Tudo isso era fácil de encontrar e só podia ser encontrado naquelas horas especiais. Depois de erradicá-la das minhas frases, me senti como os sonetos mortos que leio todos os dias; porém, mesmo assim penso nela, exatamente, na sua última nota soprada nos meus ouvidos, como um saxofone, aquela nota doída que me disse para amá-la para sempre. Meus pulmões não agüentam tanta fumaça.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Morangos flambados

Às vezes, penso muito no que há por dentro da carne e no que isso remete do lado de fora do cerne dos seres vivos. Eu comeria a minha própria carne se isso fosse condizente com a atmosfera padrão. Nada mais pude crer a não ser na matriz perfeita daquela canção e no quanto estamos errados sobre as coisas que admiramos. Tudo parece querer sangrar no final, seja isso uma verdade ou uma mentira. Tudo se completa e é redundante quando estamos de peito aberto; prefiro viver a minha mentira que viver me enganando com a sua verdade. Tenho tantos sonhos e nenhum deles parece ser propriamente belo para merecer um destaque na prateleira dos intocáveis. Talvez, eu viva na nuvem do último carnaval, querendo, almejando que a súplica de outros seja a única coisa que me baste. Meus olhos correm tanto e a cada jeito que vejo alimento algum tipo de esperança. Dizem que a esperança é a última que morre, mas esqueceram de mencionar que essa mesmo é a primeira a matar. Morro quase todos os dias. Aos poucos tudo o que sou vai esvaindo-se para o ralo e a nova versão da minha atitude posta à mesa. E a cada adjetivo que recebo vou tornando-me outra pessoa, uma distante daquilo que imaginei pra mim. Isso me machuca tanto, num primeiro instante, que chego ao ponto de querer começar do zero, e realmente tentar fazer as coisas de uma melhor maneira, não para mim, mas para quem for. Mas essa não é a minha realidade...! Tudo isso sempre remete ao abandono e nunca a uma entrega.