segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Anacrônico

Memórias de um homem esquecido

Dias de espera sempre são gigantes embora trajem mangas curtas. Talvez seja a mágica do tempo, do gostar, do sentir mais perto. Eu esperei tão desesperadamente nesse curto espaço de estrelas que acabei perdendo-me nos compassos do relógio. Finalmente consegui entender que tudo tem o seu tempo e o meu tinha acabado de chegar; viver com Alice me trouxe alegria e uma vontade que eu não estava muito habituado. Estávamos tão tomados um pelo outro que cada vez mais nos tornamos unidos, tínhamos todos os ingredientes de um casal feliz: - “Uma pitada de carinho, uma xícara de amizade e muito sexo a gosto”.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Conto – A Casa Pré-Fabricada

Com seu corpo estirado no chão: “chão esse que lhe parecia um tapete borbulhando de um fervor rubro”, nada lhe parecia distante, tão diferente das situações que lhe ocorrem ontem, ou anteontem, não se sabe ao certo... No seu tapete tudo se criava; suas idéias e reverberações de destaque e alegorias. Não sabia ele nada sobre a vida, mas ali no pseudo-tapete, era possível, bem possível que germinassem sementes, que brotassem árvores assim tão frutíferas. Esse era o seu espaço de dimensões restritas, de comprimento e largura que pra ele poderiam ser maiores do que qualquer teoria, do que qualquer outra medida. Sim, ele podia deleitar-se ali jogado, crucificado no mar de um tapete que parecia sua casa com paredes de vidro. Sentia-se feliz por ter seu espaço: “espaço esse infinito que não cabia mais ninguém”, só ele. Ali parecia seu lugar de silêncio, de maestria, onde as notas titubeavam para um sono profundo e eficaz. Muitas vezes procurou um sentido lógico, porém esse sempre inatingível, ininteligível percurso. Nada no mundo parece melhor do que aquele espaço, nenhum lugar é tão reconfortante e sossegado, ao seu entendimento, para estar-se morto.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Conto – A fantástica história que se escondia no útero de Maria Isabel

   Providencialmente antes de começar a relatar algo, eu digo sem estremecer as minhas bases que amo Maria Isabel. Tão belos são seus olhos castanhos, tão resplandecentes são as vestimentas de pele cobrindo toda aquela carne magra, como são belos aqueles seios arredondados, aveludados, seios tão firmes, que diria que qualquer criança o trocaria por qualquer urso de pelúcia. Tudo o que eu poderia esperar dela era construir definitivamente uma família. Quando a beijava sentia meu corpo oscilar, sentia que a qualquer momento nossos lábios seriam suturados entre as salivas repetidas que trocávamos em qualquer canto escuro. Não digo totalmente de algo carnal, pois a carne nasceu para ser devorada, servindo apenas para completar o espaço que falta dentro do meu estômago. Era muito mais do que isso. Tinha que ser... Toda vez que sentia as mãos salientes de Maria Isabel percorrendo pelo meu peito era como se meu coração quisesse pular de dentro de mim para dar-lhe um grande abraço. Eu tinha a necessidade de ver as nossas sombras juntas, mescladas, compartilhadas pelo mesmo feixe de luz.
   As horas martelavam incessantemente, os ponteiros decaíam, mergulhavam intermitentemente na profundeza e ao mesmo tempo queriam respirar, lançando uma corda para enforcar o número mais alto; e nesse movimento cíclico de funcionalidade, entre se salvar e morrer, as horas eram extintas, queimadas rapidamente como nos cigarros que tragávamos. Amávamos-nos tanto e era tanta a libido que circulava entre nossas veias, que o destino fez o seu papel perfeitamente: Maria Isabel estava grávida...!
   A felicidade ao mesmo tempo em que me enchia fazia meus músculos retesarem. Primeiramente arrumaria um emprego, segundo procuraria uma casa para vivermos e terceiro oficiaria nosso relacionamento. Queria dar uma grande festa, uma daquelas que o noivo fica tão doido que nem ao menos consegue dizer sim. Porém, eu queria dizer essas três letras com toda certeza que se pode ter. Os planos percorriam pela minha cabeça, pois eu queria fazer tudo certo e mostrar a todos como se é feliz quando se pode compartilhar isso com alguém. Contei a todos na cidade que iria ser pai e que dentro de alguns meses me casaria com Maria Isabel; estava pronto para estar ainda mais completo. A cidade queria, desejava, se preparar para uma grande festa. Porém, Maria Isabel puxou-me pelos braços e me disse: “Eu vou abortar”.
   O meu céu encheu-se de vermelho e o meu coração que antes queria abraçar desejava enforcar-lhe:
- Como assim Maria Isabel abortar? Pra que? - Eu vou assumir todas as minhas responsabilidades e você sabe bem disso. Porém, ela parecia estar decidida demais para desistir do que estava memorizado na sua mente:
- Não quero ter um filho nessa altura da minha vida – respondeu ela com os olhos molhados – Tenho tanta coisa para viver, tanta coisa pra ver, que ter um filho é a única coisa que não quero ter nesse momento.
– Não que eu não goste de você, às vezes acho até que te amo, mas a questão primordial é que não estou preparada pra tanta responsabilidade.
  A cada palavra que Maria Isabel proferia era uma facada dura no meu peito, era ela tentando se livrar do meu sonho para ter o dela. Fui embora tão desesperadamente da sua frente, tão furioso, que nem seu choro foi capaz de me fazer refletir pra onde estava indo... E a partir do meu desespero algumas pessoas me perguntavam: - Quando que o mais novo papai vai se casar? Pensaram no nome do bebê? Está feliz? Você se sente com sorte, meu filho, por se casar com uma mulher tão linda? Essas notas estavam doendo no meu ouvido, minha cabeça parecia girar e tudo o que eu queria era gritar e sumir num sopro de vento qualquer. Foi então que tive a idéia mais louca que alguém poderia ter...
  Em plena praça pública eu dizia tudo o que havia acontecido e as pessoas cada vez mais iam se aproximando para me ver cantar todo o meu lamento. Estava decidido a fazer um abaixo assinado impedindo que Maria Isabel abortasse. Eu havia provocado uma revolta popular.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Todo embrulhado em cobertura de açúcar

Hoje eu posso dizer que olho todos de cima, estou tão alto, mas tão alto que o décimo primeiro andar é o mais próximo dos dedos dos meus pés. Poderia simplesmente jogar todo meu peso abaixo, ser puxado pela gravidade, apagar tão profundamente que não estranharia se me confundissem com uma lâmpada queimada. Estou cego. Sou o primeiro cego que consegue enxergar e sou tão surdo quanto uma pedra no fundo do mar mais fundo. Tudo parece constante, constantemente correto, constantemente incorreto, e nessa confusão do é ou não, prefiro pensar no foda-se, sim no foda-se... Tudo o que eu quero é esparramar-me no vento, sentir o que arbitrariamente é distinto hoje pra mim. Quando se alcança qualquer coisa tudo o que se tem a fazer é segura-la pelos braços, oportunidades como essas são raras quando se leva toda uma vida no pecado, na indecência, na imoralidade de não se reconhecer numa poça de chuva em plena quarta-feira. Quando caminho trajando minhas imperfeições e seu sorriso me acompanha logo largo minhas armas. Eu me desarmei por completo e essa sensação de sentir-se livre é uma das coisas que mais prezo. Sinto-me melhor do que a grande maioria das pessoas, eu arriscaria dizer que estou feliz... Felicidade, felicidade. Soa bonito quando se diz em momentos certos. Felicidade.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Quando ela me beija...

        Dentro do ar existem vozes, voando, vagando notas desconhecidas ao pé dos meus ouvidos. Talvez nem sejam tão desconhecidas assim, apenas esquecidas tamanha à vontade por uma única. Todas as outras soam baixas e imperceptíveis pra mim, e isso não é auto-suficiência, pois pra isso eu deveria ser sozinho e nas reais circunstâncias não tenho me sentido. Tenho o zumbido que caminha ao meu lado configurado sua canções antropofágicas, e isso me faz querer esquecer o mundo, e o mundo não é nada se não existe tais corpos-cancionais... Essas são as cordas que quero pestanejar, fazer o acorde saudoso da gaita e dos abraços no luzir da lua cheia. E essa canção me salva da selvageria, me salva da correria de uma cidade tão grande como meu umbigo. Escutar tal voz me faz querer dar um passo após outro, e assim me fazer correr tão decidido ao seu encontro. Porém, o encontro nunca é feito por uma única pessoa... O meu bem, raramente aparecia, raramente me dava uma chance de penetrar de cabeça em sua vida. Eu estava amando essa mulher, essa mulher que não poderia ter um nome, pessoas assim não precisam de nome; são preciosidades e um nome é o que de menos valioso se pode ter.

Carlos Posada e o Clã da pá virada