segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Seu cheiro

Fiquei pensando, gélido, como uma estátua de São Petersburgo, parecia que meu sangue havia engrossado, e todo movimento que exercia tinha suas conseqüências, dores abdominais rondavam-me, uma tromba d’água parecia mergulha-me num subterfúgio, eu estava me sentindo mais inútil que um Sudro. Estava irrequieto, a madrugada passava lenta, tão lenta como o veneno mais cruel e aparentemente tudo isso iria circular por horas intermináveis. Abri uma garrafa de uísque e fiquei embriagando-me, era o único ato que parecia ser coerente com o que eu estava pressentindo, eu tomava longas doses, enchia minha boca toda, sentia o álcool corroer o céu de dentes e engolia, literalmente, tudo de uma única vez. Era a única coisa que me fazia sentir mais quente. Era o cobertor mais quente que eu poderia conseguir. Rapidamente a garrafa ia se esgotando, eu parecia um ralo sem rolha, tudo o que caía sobre mim ia descendo por completo. O cinzeiro rapidamente se encheu de cigarro, eu estava desesperado, estava com medo de perdê-la, e toda vez que me lembrava da sua imagem era um novo choro. Eu parecia uma criança, estava mais bêbado do que uma porca, e isso fez reduzir a quantidade dos meus neurônios para o nível mínimo. Fui até a minha pequena biblioteca e peguei o livro “Cem anos de Solidão” do Gabriel Garcia Marquez e o abri, era ali que escondia meu pó, cheirei todo aquele saquinho com apenas uma puxada e me senti um monstro, parado em frente ao espelho, não conseguia me reconhecer, meu rosto havia se tornado um grande borrão, o que acabou me deixando desesperado. Essas horas foram de pavor, de pânico, andava todo o apartamento compulsivamente, tentando devorar minhas idéias, tentando me esconder do medo, dos demônios que cresciam dentro de mim. Entrei no banheiro, tirei a minha roupa e me joguei debaixo do chuveiro, a água percorria a silhueta do meu corpo, e me meu coração batia tão forte como os tambores da guerra, eu estava submerso na idéia fixa de não ter mais Alice, dela pertencer a outros braços, um novo suor, que enriquecesse ainda mais a sua pele de sal. Sai do chuveiro, deitei na minha cama, ainda molhado, e tentei por horas dormir, sem sucesso, eu estava perturbado, havia um pensamento abrasivo na minha mente, estava precisando muito da presença de Alice, precisava sentir seu cheiro e foi o que fiz, abri o seu armário, abri uma mala de viagem dela e senti o perfume das suas roupas, uma por uma, e acabei ficando dentro da mala, misturado as suas peças de roupa, encolhido, até adormecer.

domingo, 23 de outubro de 2011

A noite nunca tem fim

      Aos meus amigos

 Liguei para o Gabriel e pro Francisco para marcar da gente tomar umas cervejas, estava tão feliz que tudo o que eu desejava era compartilhar minha felicidade com meus melhores amigos. Queria apresentá-los a Alice e perguntar o que eles achavam dela. Tinha quase certeza que iriam gostar, mas é sempre bom sentir o que os outros têm a dizer pra se ter certeza quando algo é verdadeiramente importante. Homem quando nasceu pra ser otário, é otário a vida toda e eu não queria ser um daqueles homens que não vê e não ouve nada por causa de mulher. Gabriel disse que iria ao encontro, mas acabou não indo, Emilie, a francesinha dele, havia voltado para França e ele me disse no dia seguinte ao nosso encontro que não estava se sentindo muito bem, algo completamente compreensível, quando algo importante se torna distante. Gabriel me explicou que ela precisava fazer uns exames médicos lá na França e que precisava ganhar uns “Euros” para quando voltar ao Brasil, voltar definitivamente, coisa que não demoraria muito a acontecer, pois em março estaria de volta pra ele. Francisco, sim, iria ao encontro, estava curiosíssimo para conhecer a mulher que tanto me ouviu falar. Encontramo-nos na Rua Dom Hélder Câmara, na altura do Shopping Nova América, para irmos juntos ao “Escritório”- Bar da Tijuca que marquei de me encontrar com Alice. Pegamos o metrô e não mais que meia-hora estávamos no local combinado. Alice me disse que levaria uma amiga pro Francisco que já, antes mesmo de conhecê-la, tinha motivos suficientes pra gostar dela. Gostou ainda mais da Alice quando viu a Raquel, sua amiga, que era tão pequenina quanto ele, porém, apesar da estatura, tinha uma beleza que quimicamente era compatível com a dele. A Raquel tinha um par de coxas grossas, sóbrias, que deixou meu amigo titubeando, ou melhor, babando, apenas no ato de comê-la com os olhos. Entre algumas conversas mescladas entre nós, num curtíssimo espaço de tempo, eles dois já estavam se beijando e beijavam de uma forma que parecia que aquela cena na minha frente nunca iria ter fim. Estávamos mais misturados na nossa amizade do que a fumaça do cigarro que tragávamos, era como se o limite estivesse fugindo da nossa frente e estávamos tão dispostos a ultrapassar o velocímetro desse carro, que duas caixas de cerveja desceram facilmente por nossas guelras. Fomos praticamente expulsos do Escritório, já deveriam ser umas quatro horas da manhã de uma segunda-feira, pagamos a conta e partimos à procura de outro bar que estivesse aberto até àquela hora, coisa que não conseguimos achar. Decidimos ir para outro lugar, iríamos nós quatro no local mais improvável possível. Pegamos um ônibus, e fomos fazendo arruaça, o motorista do ônibus nos encarava com um olhar desafiador, como se pudesse a qualquer momento puxar um revólver e atirar na gente. Descemos na Praça da Bandeira, atravessamos a passarela, e entramos num local escuro, muito escuro mesmo, estávamos na Vila Mimosa. Todas as pessoas que vimos estavam completamente drogadas, aquele local emitia medo, parecia que a qualquer momento poderíamos ser abordados, ser assaltados, porém, nem o risco de perder a vida parecia um motivo grande o bastante para impedir que bebêssemos. Uma chuva fina de repente começou a cair e meus pés encharcaram-se pela água da chuva e por uma água negra, provavelmente de um esgoto a céu aberto, e isso era repugnante, era nojento, pois essa água estava parada dentro do meu sapato e eu a imaginava penetrando dentro da minha pele embriagando minhas células sadias. Vimos um bar ao longe, e ele parecia interessante ou ao menos sossegado; do lado de fora vimos que suas luzes azuladas não aparentavam discrição o que acabou guiando ainda mais os nossos olhos. Entramos e Alice logo foi pedindo uma cerveja, e antes mesmo do garçom encostar sua mão no freezer, Raquel perguntou a ele quanto custava e esse disse: - “Sete reais a garrafa”. Ficamos indignados. Mas não tanto quanto Alice, ela bateu a mão no balcão e disse apontando o dedo indicador na cara do garçom: - “Você é maluco por acaso”? – Francisco apenas colocou a mão no rosto e retrucou para irmos embora. Alice estava quase subindo em cima do balcão e se não a segurássemos teria batido nele devido à fúria que se desprendia do seu lado mais sombrio. E Alice não parava e continuava seu xingamento: -“Seu merda, seu filho da puta, vai tomar no cu seu garçom de merda”. Francisco enlouqueceu, estava morrendo de medo de sermos linchados por todos aqueles “cracudos” que estavam a nossa volta, realmente todos estavam nos olhando e parecia que a qualquer momento iriam vir calar as nossas bocas. Peguei Alice pelo braço e saímos todos nós correndo, vimos o primeiro táxi que surgiu e praticamente nos jogamos em cima dele, e como eu ria daquilo tudo, Alice e Raquel também se deliciavam com o que acabamos de viver, Francisco estava apavorado e só reclamava: - “Essa sua namorada é maluca, é maluca!” – E eu completei a sua afirmação respondendo – “Por isso que eu a amo, meu amigo, por isso que eu a amo”!

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Frestas e Arestas

Acordei como sempre às 7 horas, eu arriscaria dormir uns quinze minutinhos além do que de costume, mas com aquele despertador dos infernos que não para nunca de martelar é impossível prever uma vitória. Sim, eu sou fraco e me rendo ao lado mais infeliz da invenção humana. Inclinei-me rapidamente numa certa angulação, que como um bom aluno de física que sou, diria que meu corpo alcançou cravados quarenta e cinco graus. Não há nada pior do que isso quando se está completamente de ressaca, a cabeça dói, os olhos lacrimejam e os ouvidos parecem entupidos, sendo tudo o que você consegue fazer é declinar, vagarosamente, ajustando na parte mais confortável do travesseiro a sua cabeça. Nesses momentos de negação tudo o que você pensa é: - Por que eu fui sair ontem? E não existe nada pior do que você ir contra a sua vontade, ou seja, eu não queria nenhum pouco sair, estava cansado, com sono e com uma determinação ansiosa de finalizar a minha tese sobre a teoria do caos. 

 O culpado disso foi o Francisco Casa Nova, meu amigão, que estuda história na mesma universidade que eu. Esses alunos de história só pensam e ejaculam provérbios, suas filosofias, e suas debandadas carregam o mundo todo com suas lábias frescas e convincentes. Eu disse que não queria, mas aquele jeito solto e encantador de me dizer que existem prazeres maiores do que os da física acabaram me levando a um pub. Realmente estava um pouco perturbado de sonhar com as equações trajando biquínis na praia de Copacabana.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Setembrino

Era setembro e o céu estava claro e azul. Eu novamente estava parado naquele trânsito infernal, preso dentro de um ônibus na Avenida Brasil. Todos os meus dias eram feitos de caos e desordem. Eu estava febril naquele dia, não estava me sentindo muito bem, queria dormir pro relógio passar mais rápido, porém nunca consegui fazer isso dentro do ônibus, eu invejava muito o garoto ao meu lado que chegava a babar de tamanho cansaço. Tudo o que me entretinha, naquele momento, era que devido ao forte sol saiam fumaças do asfalto, nunca tinha visto isso. Tempo assim, sempre me deixa um pouco doente; é uma reação que o meu corpo tem quando o frio esta chegando, me disse uma vez um médico. Logo comecei a espirrar. Desci na suburbana, passei na padaria do Seu Pedro, esse que já me deu um saco com exatamente quatro pães e fui andando pra casa, peguei um pedaço de pau, como todos os dias faço, pra tocar o cachorro do vizinho que sempre consegue morder as bainhas das minhas calças.

Eu estava morando há pouco tempo no Rio de Janeiro, eu me mudei pra tentar melhorar de vida, me dar uma oportunidade, só que descobri que quem nasce cuzão morrerá dessa forma. Eu morava menos de seis meses aqui e não tinha nenhum amigo, sequer tive tempo de ir conhecer o Cristo ou ir pra qualquer outro lugar... Eu nunca havia visto o mar. Eu sou do interior do estado e assim que cheguei consegui um emprego em telemarketing, não que eu chame isso de sorte, pois todos os dias eu tomo um esporro do supervisor, ninguém sabe meu nome ou se importa comigo. Não sei sobre as festas, não trai minha mulher, não tenho uma, a única coisa que sei é sobre o Flamengo, tenho o sonho de ir ao Maracanã, porém nunca tive coragem de me arriscar por aquelas bandas. Eu poderia facilmente puxar papos sobre isso lá no trabalho, porém não tive a sorte de encontrar um flamenguista que eu julgava ser legal.

Eu consegui com muita sorte alugar uma pequena casa numa vila, pago metade do meu salário nela, ainda não consegui comprar os móveis, só consegui comprar um colchão e um rádio de pilha e ter isso me deixava muito feliz, ter as minhas coisas, meus sonhos e meu espaço no mínimo é reconfortante. No Rio de Janeiro faz muito calor e é quase impossível dormir dessa maneira, minha próxima meta é um ventilador, por enquanto vou sofrendo, segurando as pontas das noites mal dormidas. Nessa vila existem muitas pessoas e é engraçado como as pessoas nessas cidades são diferentes, todos vivem na mesma vila e aparentemente umas tem mais dinheiro do que outras, uns ostentam um carro, enquanto, outras madrugam comigo nos pontos de ônibus. As pessoas aqui são esquisitas, pessoas de cidades grandes são entronas fofoqueiras e sempre muito mal-humoradas, não que no interior não tenha isso, só que agora estou vendo isso em escala industrial.

Na minha cidade, Miguel Pereira, as pessoas são mais solidárias do que as daqui, aqui tem muito descaso, muita sujeira e poluição. Eu ainda não consegui me acostumar com os mendigos, sempre que vejo fico de coração partido, uma vontade de fazer alguma coisa por todos eles, porém eu não tenho condições pra isso. Pra falar que não faço nada, ajudo um senhor dando o que comer, isso quando ele aparece, teve uma vez que ele sumiu por mais de três semanas. Eu não sei o seu nome, acho até que ele não fala, deve ser isso, ele deve ser mudo, nunca me respondeu.

Eu sempre janto numa pensão ao lado da vila, a comida lá é barata e gostosa, porém eu me cansei de ter que comer sempre a mesma coisa todos os dias, duas variações de prato, num período de seis meses é dose, mesmo assim, eu não pensava em mudar de lugar pra comer, eu gostava da Tia, ela foi a primeira pessoa que conversou comigo, parece ser a única um pouco interessada em saber como foi o meu dia, como estão às coisas no trabalho, e eu sempre minto, digo que estou gostando, que tenho vários amigos, talvez, eu não queira confessar pra ela que eu sou um fracasso. Ela sempre diz pra eu trazer meus amigos pra ela conhecer e eu digo que um dia trago. Seis meses. Ela me pergunta sobre isso todos os dias. Quando irá conhecê-los, acho que ela tem a leve sensação que eu não sou uma pessoas feliz. Depois de mentir descaradamente pra ela nesse período, ela me disse, hoje, que eu sou uma pessoa boa, uma pessoa especial, eu dei um sorriso meio sem graça, e fingi estar agradecido. Eu não era uma pessoa especial. Era um tolo.

domingo, 9 de outubro de 2011

Cantos de desassossego

Sentir-se livre, solto, eram uma das coisas que nunca entendi muito bem, o significado dessa merda toda, os porquês que tudo tendia a necessidade de ser assim. Sempre odiei essas porras de hippies, e continuo odiando essa necessidade de paz, de cor e de viadinhos saltitantes. Sempre fui focado demais nas coisas que me pareciam importante, sempre meu umbigo, o universo que me interessava. Meu umbigo de galáxias era perfeitinho demais pra pedir a necessidade da atenção de alguém. Isso não me tornava uma pessoa ruim, muito pelo contrário, as pessoas me achavam engraçado, às vezes chato, confesso; porém era um circuito de pessoas que eu liberava para freqüentar meus arredores.