terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Conto - O morto

Um homem morreu nesta manhã e ouvem-se daqui de casa e de todo o prédio os gritos melancólicos da família do apartamento ao lado. Todos, inclusive eu, querem saber o que está acontecendo, todos  sentem-se de certa forma atingidos e abalados pelos espasmos da morte. O pensamento está vivo e a morte, como dizia minha falecida avó, que Deus a tenha, mora ao nosso lado. Os pêlos do corpo arrepiam-se, certo amargo apodera-se da nossa boca quando sabemos que alguém partiu dessa pra melhor e tudo o que nos resta, acredito que como consolo, é alisar com a ponta dos dedos o velho crucifixo de prata e rezar, rezar bastante, para que Santa Rita de Cássia nos livre desse mal. Amém.

Tudo pareceu parar naquele instante de gritos e súplicas matinais. O trânsito pareceu menos trânsito, o mar pareceu mais brando e o vento parou de socar as janelas de vidro. O mundo finalmente havia respirado, puxou do fundo sua essência para se revelar vivo. Seria Deus agindo? Aquilo parecia comum, não seria a primeira pessoa a morrer, porém aquilo era diferente, era triste demais, pois todos rezavam e agradeciam pelo acontecido ocorrer do canto de lá da parede.

Eu me senti mais solitário do que de costume, tudo se torna tão instintivo quando esse perfume de rosas mortas passa beirando pela medula. Arrepiam-se os pelos, a alma se agita, fica mexida de liquidificador, são neblinas, silêncio e só. A gente passa entender um pouco de tudo ou um pouco de nada ou tanto faz. O que precisamos saber mesmo é que somos a poeira esquecida debaixo do tapete, pode demorar, mas um dia alguém nos acha e deixa o chão limpo. É assim o princípio da vida. A eternidade que dura o tempo de um abraço, um encontro.

Eu sentia pena em saber que alguém partiu assim tão de repente, mas o que eu podia fazer? Nada. Dizem os sábios que existe um principio básico pra tudo e o básico de cada um é ter que sobreviver e foi o que eu fiz. Quando a morte veio até mim e me perguntou se eu gostaria de morrer, respondi-lhe: “Eu não, mas posso te indicar alguém”.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Conto - Dançando valsa nos salões do céu

Os santos jazem com seus braços erguidos na incumbência da prece, as janelas continuam abertas, as plantas continuam mortas no canto abandonado. A televisão ligada foca sua imagem enquanto assimilo o seu ruído de interferência. E eu venho andando, andando... Saindo pela porta a luz se torna negra, funda, e o que me sobra é uma turbidez enquanto desço degrau a degrau a escada. A bicicleta da rua passa, os pássaros tentam cantar, os carros caminham seguindo a turbulência das suas cores que correm apressadas como um tiro: - “Balas de revólver deviam ser coloridas”. O céu grita que vem chuva e a paisagem com nuvens pretas assustam as poeiras. E eu venho andando, andando... Uma voz não me chama a atenção, duas vozes conversam, porém nem a curiosidade é capaz de me fazer parar. O trajeto é o mesmo do atropelado da semana passada, trilhas e trilhas de sangue levam ao final, ao início. As fumaças são gloriosas e eu as respiro, as devoro, puxando pelas minhas guelras abaixo uma característica da natureza que me faz querer ser esse complemento dançando no ar. Na praça, o gramado é verde e as flores amarelas são as mais bonitas pra se compartilhar num sonho. O mar está a minha frente e na areia branca escrevo meu nome: “Nunca tinha feito isso”. Tiro a roupa, fico nu, e contemplo a água gelada tatear meu corpo enquanto o sal penetra minha pele. É pouco tempo, e quero nadar, nadar... Meus amigos estão no bar tomando cerveja e a afeição de felicidade também não se completa. Queria pedir-lhes perdão pelo abandono, por não saber usar o telefone de vez em quando. Tenho tão pouco tempo... Não quero ir embora daqui. Onde estive esse tempo todo que não reparei...